As contas trolls, criadas com o objetivo de semear confusão, deslegitimar ou ridicularizar um movimento social ou político, são uma fonte comum de desinformação nas redes sociais.
Embora alguns desses perfis deixem claro o seu status, muitos usuários interpretam suas mensagens sem o devido contexto e compartilham como sendo verídicos, segundo especialistas consultados pela AFP.
As contas aparentam um mínimo de credibilidade para confundir o leitor, mas há pistas para identificá-las: uma foto de perfil falsa, tuítes de um único tema ou data de criação recente.
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"Uma conta troll procura desestabilizar ou confundir a partir do anonimato" , resumiu a equipe do Observatório de Conteúdos Audiovisuais da Universidade de Salamanca (OCAUSAL), em resposta enviada à AFP em 30 de março de 2023.
"Uma conta troll é um perfil que se introduz nas conversas para irritar e criar tensão", disse a pesquisadora Mariluz Congosto, da Universidade Carlos III de Madri, na Espanha, em entrevista à AFP em 29 de março de 2023. "Contas trolls" são também aqueles perfis que se dedicam "a divulgar informações maliciosas ", resume Natalia Meléndez, professora de Jornalismo da Universidade de Málaga, à AFP no último dia 3 de abril.
'O que eles estão tentando fazer é intoxicar o ambiente, tanto na própria rede social do Twitter, por exemplo , como a nível geral', disse Meléndez.
'Às vezes, eles fingem ser uma pessoa ou meio específico, mas na maioria das vezes adotam o perfil de um tipo de pessoa (por exemplo, uma pessoa filiada a um determinado partido) para disseminar determinadas mensagens que podem ser associadas a essa pessoa", disse a equipe da USAL.
Essas contas "não buscam necessariamente conteúdo falso para se tornar viral ou que uma medida específica do governo falhe", comentaram os professores da USAL. Eles acrescentaram:
'É uma atividade mais latente, para minar gradativamente o debate, para gerar atitudes negativas em relação ao grupo ou movimento que está sendo ridicularizado'.
Como identificar uma conta troll
Na enxurrada de informações que qualquer usuário recebe diariamente nas redes sociais, os próprios especialistas reconhecem que 'é difícil' saber se uma conta tem o objetivo de confundir. Ainda assim, existem pistas que podem ajudar.
'Tem que olhar a bio ', assim como 'a coerência dos tuítes, se são coisas totalmente malucas', disse Meléndez, que também aconselhou ver o nome do usuário e a conta. 'Talvez sejam contas criadas recentemente', disse, em linha com o que Congosto comentou.
Meléndez lembrou que às vezes "nos próprios comentários" dos tuítes, há usuários que alertam que a conta pode ser "suspeita" .
Outra pista, fornecida pelo observatório de Salamanca, é que o discurso "está muito centrado no mesmo tema" , mas "quase ninguém é um personagem tão plano e caricatural como o que costuma ser desenhado nestes perfis" .
Além disso, "sua foto de perfil geralmente é de um banco de imagens", algo que a AFP identificou em perfis de trolls como @Valentinavaliente (definido como "ativista feminista, lutadora comunista e ecossexual"), cuja imagem pode ser encontrada no site Alamy. Outro exemplo é o de @trinidadMNovo, cujas fotos correspondem, na verdade, à professora universitária cubana Lucía Argüelles Cortés.
Já no caso de @Jenytrans17, a foto de perfil é da cantora norte-americana Ezra Furman, que alertou sobre isso em um tuíte.
Às vezes, os próprios usuários por trás dessas contas alertam em sua biografia sobre ser um troll ou personagem "falso", como é o caso da conta que satiriza o perfil do ex-presidente Jair Bolsonaro. "Muitas contas de trolls adicionam aos seus perfis que são 'paródias' como forma de evitar violar os termos de uso das redes ou para evitar serem penalizados, embora seu objetivo seja outro", explicou a equipe da USAL.
Mas nem todas as contas consideradas trolls fazem tal aviso que, no entanto, não aparece ao retuitar suas mensagens ou fazer capturas de tela delas para compartilhá-las em outra rede social. Em outras ocasiões, os usuários usam truques que dificultam sua identificação, como o relatado nesta verificação: foram adicionadas as palavras 'παρωδια' e '%u932F%u8AA4%u7684' ('paródia' em grego e 'incorreto' em mandarim, respectivamente).
O risco é que, segundo Meléndez, 'quando há algo, por mais exagerado que seja, que reafirma o que você pensa, você decide acreditar e divulgá-lo'. Além disso, segundo o Observatório da USAL, 'o usuário não presta atenção e não se detém aos detalhes' antes de compartilhar.
Por exemplo, em uma conta com o nome de Violeta Izquierdo (que combina a cor feminista com a ideologia política), há mensagens sobre a figura de Jesus ou sobre uma suposta manipulação de informações, elementos que se encaixam nesse exagero caricato citado pelos especialistas. O referido perfil de @Valentinavaliente, por sua vez, publicou este tuíte para pedir o direito de abortar sem estar grávida e descreveu o pênis como um "instrumento da extrema direita fascista".
Nem toda paródia é um troll, embora alguns trolls possam parecer uma paródia
A diferença entre uma conta troll e aquela com objetivo paródico ou satírico, segundo os especialistas, pode ser pequena, mas existe. "A conta paródica não pretende confundir e costuma deixar claro que o que busca é sátira ou paródia (...) aspira ao humor e seu uso de exageros pode ser muito maior porque não busca credibilidade", segundo Observatório da USAL.
Em vez disso, 'a conta do troll tenta confundir-se com o perfil que se faz passar (...), o objetivo é confundir e criar instabilidade, e se as mensagens não forem minimamente credíveis, esse objetivo não é alcançado', disse a equipe de Salamanca.
Meléndez observou que existem contas que beiram a paródia-troll 'de cidadãos comuns que se apresentam, por exemplo, como estereótipos', como pessoas muito adeptas a uma ideologia ou 'mulheres muito feministas'. "A partir dessas contas, que são confusas, eles enviam mensagens que não seriam lógicas em uma pessoa que estava realmente tuitando premissas, por exemplo, da esquerda ou feministas", explicou a professora universitária.
A professora Raquel Recuero, diretora do Laboratório de Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), comenta sobre o potencial desinformativo dos perfis de paródia, mesmo se identificando: 'Eles flertam com o humor, mas muitas pessoas não se dão conta disso'.
'Nem todo mundo entende o humor e que isso é um perfil de paródia, o que pode ser desinformativo quando as pessoas não entendem', acrescenta. São casos como o do personagem Coronel Siqueira ou a conta que simula a da jornalista Mônica Bergamo.
Organização e tipos de troll
Embora estes tipos de contas 'se sigam e interajam entre si, isso não significa que em todos os casos haja uma organização por trás delas', detalhou Congosto. No entanto, ela ressalta: "Em alguns casos, pela data de criação dos perfis, pelo estilo com que seus avatares são criados e pelo tema que abordam, parece que pode haver alguma coordenação".
A equipe de Salamanca considerou que esta 'é uma atividade mais suja, para ir minando constantemente a credibilidade e a convivência, e isso pode ser conseguido mesmo sem coordenação, simplesmente adicionando ruído'.
Recuero vai pela mesma linha de pensamento e ressalta que os conteúdos desinformativos replicados nas redes sociais não são produzidos necessariamente por perfis falsos. 'Temos as fazendas de cliques, administradas por uma só pessoa. Temos também os perfis imitadores, conhecidos como 'impersonation' , que se passam por uma pessoa que eles não são. Esses perfis têm vários tipos de papéis: visibilidade, legitimar ou deslegitimar um conteúdo ao se passar por uma autoridade ou especialista em determinado assunto', explica.
Meléndez citou como exemplo dois perfis: "Aquele que individualmente é um lobo solitário" que decide fazer uma conta "para trollar, para defender a ideologia oposta", e "em larga escala os que são bot farms , campanhas orquestradas". Dentre essas duas categorias, segundo a equipe da universidade, este segundo caso 'seria o mais problemático'.
As "fazendas de cliques" ou trolls, como costumam ser chamadas essas campanhas organizadas, foram desmanteladas na Nicarágua (em 2021), Cuba e Bolívia (em 2023) e nas tentativas da Rússia, por exemplo, de influenciar a opinião pública através de contas falsas. No Brasil, as eleições de 2018 ficaram conhecidas como as da 'guerra suja nas redes', embora não se utilizasse o conceito 'fazendas de bots'.
Fazendas de cliques: um padrão internacional
Este fenômeno internacional 'não é necessariamente coordenado' mas existe um padrão repetido em vários países, apontou a equipe da USAL.
Meléndez, por sua vez, assinalou os Estados Unidos como um lugar onde "algumas coisas começam a ser testadas, depois são imitadas".
Ela relembrou a campanha de Donald Trump em 2016, bem como a do Brexit no Reino Unido, como momentos-chave deste tipo de desinformação organizada que, desde 2019, vem se reproduzindo em pelo menos 70 países.