É enganoso dizer que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) 'tem um decreto agora' pelo qual irá cobrar R$ 247 milhões de estados nordestinos pelas águas da transposição do rio São Francisco, como assinalam publicações compartilhadas mais de 7,9 mil vezes em redes sociais desde 6 de abril de 2023.
Isso porque, desde 2018, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) estabelece anualmente os valores a serem pagos pelos estados beneficiados. Além disso, as tarifas ainda não são efetivamente cobradas dos estados, e esses custos vêm sendo pagos pela União, conforme explicou a ANA à AFP.
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A resolução nº 148 da ANA, de 17 de março de 2023, estabelece que o total da receita requerida para a prestação do serviço de transporte de água bruta do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF) é de R$ 274,7 milhões para o ano de 2023. O documento também traz o quanto desse total seria pago por cada um dos seguintes estados: Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
No entanto, uma consulta no site da ANA mostra que essa tarifa é estipulada anualmente desde 2018.
Para o ano de 2022, por exemplo, o valor foi de aproximadamente R$ 331,9 milhões, o que significa que, do ano anterior para 2023, o total da tarifa caiu mais de R$ 57 milhões.
Mas, apesar de serem estipuladas anualmente desde 2018, essas tarifas ainda não foram efetivamente pagas pelos estados. Isso porque ainda não foram assinados os contratos de prestação do serviço pelas unidades federativas. Por isso, na prática, até o momento quem vem arcando com esses custos é o governo federal.
Como funciona a tarifa do PISF?
O projeto atual de transposição do Rio São Francisco começou efetivamente em 2007. No ano anterior, o decreto nº 5995/2006 estabeleceu que os estados receptores das águas da transposição devem pagar pelo serviço de adução (transporte) de água do PISF.
Esse valor inclui, por exemplo, custos variáveis do empreendimento, como a energia elétrica utilizada para o bombeamento da água do rio São Francisco, e também custos fixos como manutenção da infraestrutura.
Em 2017, a resolução nº 2.333 estabeleceu, dentre outras exigências, que a operadora federal - no caso, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) - 'iniciará a operação comercial com cobrança de tarifas após assinatura do contrato entre a Operadora Federal e a Operadora Estadual' dos estados envolvidos.
Até 2023, porém, a assinatura desses contratos entre a Codevasf e as operadoras estaduais não ocorreu. Em 2021, houve um pré-acordo, mas até o momento as negociações não foram concluídas.
Marco Neves, superintende de regulação de usos de recursos hídricos da ANA, definiu a fase atual como 'operação pré-comercial'. 'Então, a água já vem sendo entregue. É como se fosse um momento de teste de sistema', explicou ao AFP Checamos em 20 de abril de 2023.
'Agora, existe um custo (...). O custo da energia, da manutenção, e isso tem que ser pago. E aí quem vai assumir é a própria União. Enquanto não pagam, a União está pagando. Então os testes estão sendo feitos, as entregas estão sendo feitas', ressaltou.
Consultado sobre se houve alguma mudança com relação à tarifa de 2023, estabelecida pela resolução 148, Neves afirmou que 'não houve novidade' no cálculo dessa tarifa.
A assessoria de comunicação da Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará, estado que deveria pagar R$ 92,98 milhões do total de R$ 274 milhões em 2023, também afirmou que não houve nenhuma novidade em relação à tarifa em 2023:
'Não é novidade. Os estados do Nordeste, receptores das águas do São Francisco, já vêm discutindo com o governo federal, com a ANA e com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIRD) há algum tempo. Existe um pré-acordo assinado anteriormente pelos governadores dos estados sobre as cobranças (...). Antes do início da cobrança, no caso do Ceará, se faz necessária uma autorização legislativa e a assinatura de um contrato definitivo entre o Estado e a União'.
'Todas essas questões do pagamento da água estão sendo discutidas e cada estado procura ver os principais custos e como diminuí-los', acrescentou a secretaria.
O AFP Checamos já verificou outras alegações envolvendo a transposição do Rio São Francisco que circulam em 2023 (1, 2).
Este conteúdo também foi verificado por Aos Fatos e UOL Confere.