É enganoso afirmar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) causou, em três meses, um 'rombo' de mais de R$ 230 bilhões, contra o superávit de mais de R$ 50 bilhões alcançado ao fim do mandato de Jair Bolsonaro (PL). Vídeo com essa alegação foi visualizado mais de oito milhões de vezes nas redes desde 11 de abril de 2023. Mas o déficit era uma previsão feita em dezembro de 2022, já atualizada. Em março, o governo estimou que o ano deve terminar com déficit de R$ 107,6 bilhões. O fato de que 2023 terminaria com saldo negativo já era previsto pelo governo Bolsonaro em agosto de 2022.
'A Globolixo divulga no telejornal que o Bolsonaro deixou 'Saldo Positivo em 2022 de quase 60 bilhões' e que em 3 meses de 2023 o Lula, um 'ROMBO de 232,5 bilhões' O Povo não pode aceitar esse 'Mau Uso' do dinheiro público e com os 3 Podêres coniventes com isso. 'Impeachment Já'', diz a legenda de uma publicação compartilhada no Twitter. O conteúdo também é replicado no Instagram, no Kwai, no TikTok e no Facebook.
A mensagem acompanha um vídeo no qual o jornalista César Tralli, do 'Jornal Hoje', da Rede Globo, diz: 'Contas do Governo Federal registraram um saldo positivo em 2022 de quase R$ 58 bilhões. Para este ano, o cenário é de um rombo de R$ 232 bilhões'.
Uma busca por palavras-chave mostra que o jornalista realmente reportou esses números, em trechos do programa que foi ao ar em 27 de janeiro de 2023. A reportagem não poderia, portanto, retratar o saldo financeiro dos três primeiros meses do governo Lula, completados em março.
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O déficit citado por Tralli fazia referência ao Projeto de Lei Orçamentária da União (PLOA) para 2023, aprovado pelo Congresso em 22 de dezembro de 2022 e sancionado em 17 de janeiro de 2023 pelo presidente Lula.
O documento é, no entanto, uma previsão que começou a ser elaborada ainda no governo Bolsonaro.
Projeto apresentado em 2022
O PLOA tem como objetivo estimar a receita e fixar as despesas para o ano seguinte e é apresentado pela Presidência da República para análise e votação do Congresso até o dia 31 de agosto do ano anterior.
De fato, nesta data de 2022, o Governo Federal, então comandado por Jair Bolsonaro, enviou ao Congresso Nacional a proposta para o Orçamento da União de 2023, que previa um déficit de R$ 63,7 bilhões.
Portanto, a primeira versão deste documento, enviada antes mesmo de Lula ser eleito, já estimava que o ano de 2023 terminaria com saldo negativo.
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No entanto, a proposta ainda não contemplava a manutenção do Auxílio Brasil (renomeado de Bolsa Família pela atual gestão) no valor de R$ 600 mensais, embora essa fosse uma promessa de campanha de Bolsonaro.
Segundo informou o então secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, a União teria que buscar junto ao Congresso pelo menos R$ 52 bilhões a mais do que já estava previsto no projeto de orçamento para custear esse benefício.
Com a eleição de Lula, foi proposta uma emenda constitucional, chamada de PEC da Transição (PEC 32/2022), para viabilizar o pagamento de promessas da sua campanha, como a manutenção do novo Bolsa Família de R$ 600.
A promulgação da proposta permitiu ao novo governo ampliar em R$ 145 bilhões o teto de gastos, aumentando a projeção de déficit do PLOA para os cerca de R$ 230 bilhões citados nas publicações.
Além do valor do Bolsa Família, a diferença também incluiu um adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos em famílias beneficiadas pelo programa, o aumento do Auxílio Gás, do salário mínimo e de despesas do setor de saúde.
Previsão atualizada
Em março de 2023, o governo anunciou a expectativa de reduzir esse déficit de cerca de R$ 230 bilhões para R$ 107,6 bilhões. A informação consta no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 1º bimestre divulgado pelo Ministério da Fazenda, que projeta um aumento de R$ 110 bilhões em arrecadações.
Isso inclui repasses de R$ 54,6 bilhões em Cofins, R$ 26 bilhões de repasse dos patrimônios não reclamados do PIS/PASEP e R$ 18,7 bilhões em Imposto de Renda.
Para Igor Lucena, economista e doutor em Relações Internacionais, só será possível comparar o resultado de 2022 com o de 2023 quando este ano terminar.
'O déficit fiscal esse ano é claro. Não há dúvida de que terá déficit. A gente tem que esperar, de fato, o que vai ter no ano, as próprias medidas arrecadatórias e o novo marco fiscal. A gente só pode comparar o final de 2022 com o final do ano de 2023 no começo de 2024', conclui Lucena.
Este conteúdo também foi verificado pela Agência Lupa.