Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

'PL das Fake News' não proíbe versículos bíblicos nas redes sociais

O Projeto de Lei (PL) 2630/2020 não propõe banir versículos bíblicos nas redes sociais. A alegação, compartilhada mais de 5 mil vezes desde, pelo menos, 25 de abril de 2023, traz uma lista de passagens da Bíblia que, supostamente, seriam censuradas caso o PL seja aprovado.



Mas tanto o texto já votado no Senado quanto a versão em discussão na Câmara dos Deputados não trazem referências à supressão de trechos da Bíblia e explicitam que conteúdos religiosos não seriam atingidos.

'Atenção cristãos! Alguns versículos serão banidos das redes sociais', diz uma imagem compartilhada no Twitter pelo deputado Deltan Dallagnol (Podemos - PR). A figura inclui uma lista de versículos que, supostamente, seriam 'censurados' e acrescenta: 'Com o dever de cuidado, o PL 2630/20, que será votado esta semana, terceriza para as redes sociais o dever de censurar'.O conteúdo foi difundido também no Facebook, no Instagram, no TikTok e no Kwai

O tema também foi encaminhado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem enviar conteúdos vistos em redes sociais, se duvidarem de sua veracidade.





A peça de desinformação circula em meio ao debate em torno do PL 2630/2020, popularmente conhecido como 'PL das Fake News', que propõe a 'Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet'. 

O projeto propõe uma regulamentação das atividades de redes sociais e buscadores de pesquisa no Brasil, visando evitar a propagação de notícias falsas e de conteúdos discriminatórios, dentre outros pontos. Em 25 de abril, a Câmara aprovou a urgência da proposta.

No conteúdo viral, são listados os seguintes versículos: Colossenses 3:18; Provérbios 13:24; Efésios 5:22-24; Levítico 20:10; Levítico 20:13; Timóteo 2:12; Provérbios 23:13-14; Romanos 1:26-27; Deuteronômio 22:28-29; Coríntios 11:3 e Mateus 10:34-36.





O Projeto Comprova - iniciativa de verificação da qual o AFP Checamos faz parte - entrou em contato com a assessoria de imprensa de Dallagnol a respeito do conteúdo. Em resposta, a assessoria encaminhou um vídeo publicado no Instagram em 25 de abril de 11 minutos e 30 segundos em que Dallagnol faz um pronunciamento.

Na gravação, que tem como título 'A casa caiu! Me acusaram de divulgar 'fake news'!', o parlamentar lê os textos bíblicos que citou no tuíte e afirma que eles poderiam ser classificados como discriminatórios às mulheres e à população LGBTQIA+ por exemplo, e, por isso, seriam moderados ou retirados do ar.

Mas buscas pelo texto original aprovado no Senado em junho de 2020 e posteriormente apresentado na Câmara dos Deputados em 2 de maio de 2023 mostram que as versões do PL 2630/2020 disponíveis para consulta pública já previam que as sanções das redes sociais não se aplicariam a conteúdo religioso.





O texto inicial que tramitou no Senado, apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), afirma no parágrafo 9º que 'as medidas estabelecidas no caput devem ser ser proporcionais, não discriminatórias e não implicarão em restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural'.

O texto do PL enviado do Senado à Câmara previa no artigo 6º a não aplicabilidade de sanção por parte das redes sociais a conteúdo religioso: 'As vedações do caput não implicarão restrição à manifestação artística, intelectual ou de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional ou literário, ou a qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos dos arts. 5º, inciso IX, e 220 da Constituição Federal'.

Em 27 de abril, o relator da proposta na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), apresentou uma nova versão do texto que deve ser votada pelos deputados.





A nova redação proposta, assim como o texto original, não faz alusão direta e explícita à supressão ou ao impedimento de postagens de trechos bíblicos.

No texto do relator, os artigos 1º e 3º do PL, que citam o tema da religiosidade, apontam que as condicionantes previstas na lei não implicarão na restrição de conteúdos religiosos e que a legislação deverá observar 'o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados', respectivamente.

Além disso, a redação do PL tem referências declaradas à garantia constitucional das liberdades, incluindo a de expressão e a religiosa, mencionando o artigo 220 e o artigo 5º da Constituição Federal.

Uma pesquisa no Google por propostas que poderiam ensejar o banimento de versículos da Bíblia, usando os termos 'PL' + 'versículos da Bíblia', trouxe como resultado dois projetos de lei de 2019 do deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA): o PL 2/19, que queria proibir o uso indiscriminado da palavra 'Bíblia' ou da expressão 'Bíblia Sagrada' em publicações impressas ou eletrônicas, e o PL 4606/2019, que proíbe 'qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento em seus capítulos ou versículos'.





O primeiro projeto foi arquivado em março de 2022, enquanto o segundo aguarda apreciação pelo Senado. Nenhum deles pretende proibir a publicação de versículos bíblicos nas redes.

Diante da difusão do conteúdo viral a respeito do suposto banimento dos versículos bíblicos, o relator do projeto Orlando Silva também se pronunciou em um vídeo, publicado em 26 de abril, ao lado do deputado Cezinha da Madureira (PSD-SP), ex-coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, afirmando que 'a Bíblia é intocável'. E ressaltou: 'É fake news imaginar que se possa mexer com o texto sagrado'.

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Plural Curitiba, do Diário do Nordeste, da Gazeta e do UOL. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.

Referências