O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), não defendeu o 'confisco' de investimentos de pessoas de classe média, ou que seus rendimentos sejam inferiores aos da poupança, para financiar políticas sociais. Essas alegações, que circulam com um trecho de uma fala do magistrado, foram visualizadas mais de 4 mil vezes nas redes sociais desde 8 de maio de 2023. Mas, na verdade, ele comparou a rentabilidade dos investimentos da classe média à do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para argumentar que os trabalhadores não podem ter rendimentos tão baixos.
'Uma 'Expropriação' no atacado está sendo gestada no STF. Significa que todos investimentos, privatizações, contratos na Bolsa e investimentos agora pode sofrer CONFISCO mas é pelo social', diz uma das publicações compartilhadas no Facebook e no Kwai junto a um vídeo em que Barroso defende sua posição em uma votação do STF.
Recorrendo à mesma gravação, outros usuários alegam que o STF pretende criar uma lei para colocar 'a taxa de juros abaixo da poupança'.
O conteúdo também foi encaminhado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem enviar temas vistos em redes sociais, se duvidarem de sua veracidade.
No entanto, nenhuma das duas alegações compartilhadas pelas publicações virais podem ser depreendidas da fala do magistrado.
Uma busca no Google pelos termos 'Barroso', 'investimentos' e 'classe média' levou a uma matéria sobre o voto do ministro no julgamento, realizado em 20 de abril de 2023, de uma ação requerida pelo partido Solidariedade que questiona o uso da taxa referencial (a taxa de juros aplicada a algumas modalidades de investimentos, como a caderneta de poupança) para o reajuste dos depósitos do FGTS.
Segundo o texto, o ministro ressaltou que a remuneração por depósitos no FGTS está muito abaixo de outras oferecidas pelo mercado e rende menos até do que a caderneta de poupança.
Uma pesquisa pela data do julgamento e pelos termos 'FGTS' e 'STF' levou à transmissão da sessão da Suprema Corte, na qual é possível conferir o voto de Barroso na íntegra.
Ao contrário do que sugerem as publicações virais, o magistrado refutou a justificativa apresentada pela União e pelo Banco Central do Brasil (Bacen) de que o rendimento do FGTS é baixo porque os recursos do fundo são usados para financiar projetos de interesse público.
Aos 23 minutos e 49 segundos, Barroso diz: 'É essa a pergunta que temos que fazer: se consideramos legítimo que a poupança dos trabalhadores [o FGTS] seja remunerada de maneira desfavorável em relação à menor rentabilidade do mercado, que é a da caderneta de poupança, para financiar projetos de interesse público'.
Mais adiante, aos 25 minutos e 3 segundos da sessão, Barroso prossegue com a fala viralizada fora de contexto, comparando o argumento trazido pela União e pelo Bacen ao debate com a hipótese meramente ilustrativa de a classe média também receber rendimentos menores em suas aplicações para que se investisse em políticas públicas:
'Aqui, eu pediria, presidente, às pessoas de classe média alta, uma gota de empatia, que não é difícil nesse caso. Imagine a alta classe média brasileira, que investe em renda fixa, em fundos de ações, em fundos de multimercado e em câmbio, e tem lá os seus investimentos, se de repente viesse uma regra que dissesse assim: 'todas essas suas aplicações terão uma rentabilidade pré-determinada, abaixo da poupança, porque o país está precisando fazer investimentos sociais importantes'. O que aconteceria se hoje se editasse esta norma dizendo isso? O mundo ia cair. 'Confisco, violação ao direito de propriedade, coletivismo', daí para baixo'.
Barroso continua, deixando clara a comparação:
'Pois é exatamente isso que está acontecendo aqui, é exatamente isso que se faz aqui. Uma aplicação financeira compulsória muito semelhante à poupança em que os cotistas são forçados a aceitar uma remuneração extremamente baixa e inferior a qualquer outra aplicação de mercado sem ter liquidez. Porque a poupança, o titular da poupança pode tirar o dinheiro lá e colocar em ações, se ele quiser, colocar em câmbio, mas o titular do FGTS não pode'.
Em nenhum momento da sessão Barroso defendeu qualquer tipo de confisco ou que outros tipos de investimento sejam remunerados a uma taxa abaixo da praticada com as cadernetas de poupança.
As publicações virais foram desmentidas pelo STF.
O conteúdo também foi verificado pelo Projeto Comprova, pela Reuters e pelo Boatos.org.