Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

Lula não tem 249 milhões de euros no Banco do Vaticano


 

O vídeo em que um suposto diácono argentino alega que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria 249 milhões de euros no Banco do Vaticano foi desmentido pela própria cidade-estado ainda em 2019, quando foi divulgado. Mesmo assim, o conteúdo voltou a circular em julho de 2023, após cerca de sete meses do início do terceiro mandato presidencial de Lula, atingindo mais de 30 mil compartilhamentos em redes sociais. Mas o documento mostrado como prova dos valores apresenta inconsistências e a Arquidiocese de Buenos Aires confirmou à AFP que o entrevistado não é um diácono. 





 

'O 'pai dos pobres' tem 249 milhões de Euros no Vaticano, 1,3 bilhão de reais', lê-se em um vídeo publicado no TikTok, no qual um homem que aparenta ser um clérigo mostra papéis que supostamente indicariam os valores guardados por Lula e outros líderes da América Latina no Banco do Vaticano.

 

A mesma entrevista circula também no Instagram, no Facebook, no YouTube, no Kwai e foi encaminhada ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem enviar conteúdos vistos em redes sociais, se duvidarem de sua veracidade.

 

Buscas reversas pela imagem do homem entrevistado levaram à entrevista original publicada em 2019 e extraída do canal 'Ahora con Roxana' no YouTube, com 13,3 mil inscritos. 





 

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A apresentadora é Roxana Lizárraga, que, no Twitter, se descreve como 'jornalista, advogada, política e guerreira da democracia e da liberdade de expressão'. Entre 2019 e 2020, foi ministra das Comunicações da Bolívia.

 

No vídeo, verificado pelo projeto Comprova — iniciativa de verificação da qual o AFP Checamos faz parte —, o entrevistado, Jorge Sonnante, é apresentado como diácono. A entrevista tem como título 'Contas socialistas no Vaticano'. O trecho usado nas publicações virais ocorre após cerca de 46 minutos de entrevista, quando Sonnante cita Lula e mostra papéis que afirma serem documentos oficiais do Vaticano.

 

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Além de Lula, o suposto diácono mostra os documentos como provas da existência de contas bancárias no Istituto per le Opere di Religione (IOR) — nome oficial do Banco do Vaticano — dos seguintes presidentes e ex-presidentes da América Latina: Cristina Kirchner (presidente da Argentina de 2007 a 2015; atual vice); Juan Manuel Santos (Colômbia, de 2010 a 2018); Evo Morales (Bolívia, de 2006 a 2019); Rafael Correa (Equador, de 2007 a 2017); Raúl Castro (Cuba, de 2006 a 2018); Daniel Ortega (Nicarágua, de 1979 a 1990 e desde 2007) e Nicolás Maduro (Venezuela, desde 2013).





 

Mas, antes da entrevista de Roxana, a primeira reportagem sobre os documentos de Sonnante que supostamente comprovariam essas contas foi publicada pelo site colombiano El Expediente, em 9 de janeiro de 2019.

 

O texto do El Expediente também cita o 'especialista argentino Jorge Sonnante'.

No Twitter, Gustavo Rugeles, diretor do site, publicou trechos dos documentos, que supostamente mostrariam que Juan Manuel Santos tem 395 milhões de euros em uma conta bancária no IOR. Esse mesmo trecho é visto parcialmente na entrevista com Roxana, após aproximadamente 47 minutos de entrevista, como mostra a comparação abaixo. No documento publicado no Twitter, com melhor resolução, há ainda um erro de grafia na escrita do sobrenome 'Kirchner':

 

Comparação feita em 12 de julho de 2023 entre supostos documentos publicados pelo site El Expediente e um vídeo do canal 'Ahora con Roxana' YouTube

 

Porém, ainda em janeiro de 2019, o Vaticano desmentiu as alegações e afirmou que os documentos mostrados são falsos:

 

'Depois de verificar com as autoridades competentes, posso afirmar que nenhuma das pessoas mencionadas no artigo jamais teve uma conta bancária no IOR, nem a possui atualmente, nem possui assinaturas de delegados em nome de terceiros, nem teria algum título para realizar alguma operação', afirmou Alessandro Gisotti, então diretor interino da Sala de Imprensa da Santa Sé.

 

'Os documentos apresentados como evidência são falsos. O IOR se reserva o direito de tomar medidas legais', terminava o comunicado oficial.

 

Em outubro de 2019, o Vaticano publicou um novo desmentido a respeito do tema, reforçando que nenhum dos líderes citados possui conta no IOR e afirmando: 'As fake news voltaram a viralizar nas redes sociais no Brasil nestes dias, em função das entrevistas de um 'suposto diácono' argentino, de posse dos mesmos documentos falsos. Por isso, este novo desmentido'.





 

Procurada pelo Comprova, a assessoria de imprensa de Lula também negou a informação. 'O ex-presidente nunca teve conta nem no Banco do Vaticano nem em nenhum banco do exterior. Lula já foi extensamente investigado, já teve todos os seus sigilos fiscais e bancários quebrados e não foi encontrada nenhuma irregularidade', afirmou.

 

Além disso, como o atual presidente do Brasil foi candidato nas eleições de 2022, Lula precisou declarar seus bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com a declaração, o patrimônio do petista seria de R$ 7,4 milhões. Não foram declaradas contas bancárias no exterior por parte de Lula.

Quem é Jorge Sonnante

O homem que se apresenta como diácono no vídeo já foi alvo de outras verificações de fatos em outros países, como Colômbia e Bolívia.





 

Em 2018, Sonnante publicou um documento no Twitter que supostamente mostraria seu trabalho na Cúria Romana de 2013 a 2015. Mas esses documentos têm ao menos dois erros: Em vez de 'Segreteria di Stato', grafia correta do nome do órgão em italiano, o selo e o carimbo dizem: 'Secretaria de Estado' e 'Secretaria di Stato', respectivamente.

 

Em 17 de julho de 2023, a AFP entrou em contato com a assessoria de imprensa da Arquidiocese de Buenos Aires, que confirmou que Jorge Sonnante não é um diácono: "Essa pessoa não tem relação com o arcebispado, e é falso que seja diácono'.

Banco do Vaticano

Diferentemente do que o post insinua, não é qualquer pessoa que pode ter uma conta no banco do Vaticano, fundado em 1942. Apenas instituições credenciadas à Santa Sé e entidades ou pessoas jurídicas ligadas ao Vaticano podem fazê-lo.





 

Como informa seu site, o IOR 'realiza atividades financeiras autorizadas pela Autoridade de Supervisão e Informação Financeira (ASIF) e oferece os seguintes serviços: recebimento de depósitos, administração de ativos, determinadas funções de custódia, transferências internacionais de pagamentos por meio de bancos correspondentes e manutenção de contas de salários e pensões de funcionários da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano'.

 

Ainda de acordo com a página, 'a missão do instituto envolve assegurar a custódia e administração dos bens transferidos ou confiados ao instituto por pessoas físicas ou jurídicas, e destinados para obras de religião ou caridade'.

 

O Banco do Vaticano, porém, já esteve envolvido em acusações de lavagem de dinheiro, como reportado pela AFP à época.





Referências:

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas da Folha e do Plural Curitiba. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.