O Supremo Tribunal Federal não autorizou a venda de drogas no Brasil, como afirmam usuários nas redes sociais. Publicações com essa alegação foram visualizadas mais de 170 mil vezes desde 2 de agosto de 2023, após o resultado parcial de uma votação em plenário do STF. Mas o julgamento em questão é sobre uma possível descriminalização do porte de pequenas quantidades de drogas para uso pessoal. Caso aprovada, a pauta não autorizaria a venda de drogas no país, como confirmaram à AFP o STF e um professor de Direito.
'Votação para Legalização das Drog4s. vender droga agora não é mais crime. Como ficam as mães e pais, com filhos dependentes', diz o texto sobreposto a um vídeo compartilhado no Facebook, no Kwai e no TikTok.
Nas imagens, a atual presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, fala sobre o 'resultado provisório' de um julgamento que envolve drogas e quantidades definidas em determinados países.
Uma busca por palavras-chave indicou que o trecho foi retirado de uma sessão para debater uma possível mudança na Lei de Drogas, em 2 de agosto de 2023.
Mas o texto das publicações virais distorce o conteúdo que estava sendo analisado pelos ministros, que não avaliaram uma suposta 'legalização da venda de drogas' no país.
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A proposta
Em 2 de agosto, o STF retomou o julgamento de um recurso proposto em 2011 pela Defensoria Pública de São Paulo, que havia sido suspenso em 2015, questionando a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas e propondo descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal.
Esse artigo define que comete um crime 'quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar'.
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O projeto propõe a mudança do dispositivo penal, alegando que o item ofenderia o princípio da intimidade e da vida privada. Mas não pretende alterar os critérios estabelecidos no artigo 33, que proíbe a venda de drogas no país, e que, portanto, permanecerá sendo crime.
De acordo com o artigo 33, é considerado crime: 'Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar'.
À AFP, a assessoria de imprensa do STF também desmentiu a alegação de que a matéria em pauta seja para debater a venda de drogas no país. 'O RE 635659 [recurso] trata da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal'.
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Até o momento, quatro ministros votaram a favor da proposta. Os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso votaram para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. O ministro relator do caso, Gilmar Mendes, foi o único que votou pela descriminalização do porte de drogas em geral.
A sessão foi suspensa após o pedido do relator para avaliar melhor os votos apresentados pelos ministros. O julgamento será retomado em 17 de agosto, após inclusão no calendário do Tribunal.
Descriminalização x legalização
As publicações também confundem ao comparar os termos 'descriminalização' com a suposta 'legalização das drogas' no país.
O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Thiago Bottino explicou à AFP a diferença entre os termos. 'Descriminalizar é fazer que algo que é crime deixe de ser crime (...), no caso, o porte de drogas'.
Segundo ele, a chamada 'legalização' envolve outros parâmetros, que incluem a regulamentação da venda. 'Legalizar é pegar a cadeia de produção e fazer uma regulação, onde você tem regras de como produzir, como vender e como consumir', afirmou.
O professor mencionou, ainda, países em que drogas como a maconha, por exemplo, já foram legalizadas, como é o caso de alguns estados dos Estados Unidos, da Holanda e do Uruguai.
Mas, de acordo com Bottino, o julgamento no STF ocorre para debater se a posse deve ser crime ou não, de modo a estabelecer um critério objetivo de distinção entre usuários e traficantes de drogas. Além disso, o professor negou que o debate tenha intenção de autorizar a venda no país: 'O recurso em julgamento no STF não está tratando de nada disso'.
Por esse motivo, caso seja aprovada a proposta, a venda no país permanecerá sendo proibida. 'Com a droga, você não vai praticar crime para uso pessoal. Mas a pessoa que estiver vendendo vai. (...) Tráfico continua sendo crime', concluiu.
Conteúdo semelhante foi checado pela Reuters.