O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não gerou mais empregos do que os mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) juntos, como afirmam publicações que somam mais de 18 mil interações desde 28 de agosto de 2023. Em 2021, Bolsonaro bateu recorde de empregos com carteira assinada, mas o número foi obtido após mudança na metodologia do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que as administrações petistas geraram mais que o triplo de empregos formais que a gestão Bolsonaro.
'Tem 22 anos que o cabra vota no PT, mas culpa do desemprego é do Bolsonaro. Durante 4 anos de governo Bolsonaro foi gerado mais emprego do que 18 anos de governo Lula e Dilma. Detalhes: Na pandemia bateu recorde de contratação de carteira assinada!', afirmam publicações no Facebook, no TikTok e no X (antes Twitter).
A alegação é compartilhada junto a uma animação que mostra duas filas: uma vazia, nomeada 'emprego', e a outra cheia, nomeada 'esmola do PT'.
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A pesquisa antiga do Caged era feita de forma opcional, ou seja, as empresas se voluntariavam para preencher as informações. Depois de 2020, o Caged passou a contabilizar outras cifras, apresentadas pelas empresas de forma obrigatória.
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Em 2021, durante o governo Bolsonaro, o Ministério do Trabalho e Emprego anunciou que havia sido registrado um recorde histórico no número de novos empregos criados. Os dados, no entanto, foram recebidos com ressalvas por especialistas, por conta da mudança de metodologia para contabilizar a criação de empregos no país em 2020.
O que mudou a partir de 2020
Além da pesquisa realizada mensalmente com os empregadores, que é o Caged, também foram integrados os dados do eSocial e do EmpregadorWeb (sistema no qual são registrados pedidos de seguro-desemprego).
A mudança gerou impacto porque a declaração dos vínculos temporários à pesquisa do Caged é opcional, mas a inserção no eSocial, que passou a ser contabilizada, é obrigatória. O Novo Caged, portanto, gera resultados maiores ao considerar esses vínculos, conforme informou nota técnica da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, ligada ao Ministério da Economia, em maio de 2020.
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O Caged foi criado pela Lei nº 4.923, de 23 de dezembro de 1965, como instrumento de acompanhamento e de fiscalização do processo de admissão e de dispensa de trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Já o eSocial possui caráter tributário, previdenciário e também trabalhista. Criado em 2014, o sistema tem como objetivo unificar a prestação de informações relativas a trabalhadores e empresas, bem como o cumprimento de obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas. A transmissão eletrônica desses dados, em ambiente único, simplifica o processo de envio das informações, de forma a reduzir a burocracia para as empresas. Por esse motivo, capta um volume de informações mais amplo que o Caged.
Além disso, as movimentações no eSocial, na média, tendem a ser superiores àquelas verificadas historicamente no Caged, uma vez que nesse sistema, além dos vínculos temporários terem sido subdeclarados, não é possível diferenciá-los dos demais.
Mudanças de metodologia do Caged dificultam comparações
Analista de políticas públicas do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) e especialista em mercado de trabalho, Alexsandre Lira afirma que, pela mudança na metodologia, não se deve fazer comparações com os números registrados antes de 2020, que abrangem as gestões de Lula e Dilma, e as cifras do governo Bolsonaro.
'São metodologias totalmente diferentes. Logicamente elas têm o mesmo objetivo, que é acompanhar a conjuntura do mercado de trabalho brasileiro. Contudo, existem algumas mudanças metodológicas, o que inviabiliza a comparação', disse ao Comprova, projeto de verificação coletiva do qual o AFP Checamos faz parte.
O analista elenca ainda que a partir de 2020 passaram a ser registrados alguns tipos de contratos, como os de estagiários, que não constavam no Caged anterior.
Uma comparação mais precisa de dados do mercado de trabalho brasileiro pode ser feita a partir dos registros da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), segundo a avaliação de Lira. Também de autoria do MTE, a Rais foi instituída em 23 de dezembro de 1975.
A base de dados possui periodicidade anual - diferentemente dos sistemas de Caged, que são mensais - e apresenta informações sobre todos os estabelecimentos formais e vínculos celetistas e estatutários no Brasil.
Dentro de sua base de dados, é obrigatória a declaração anual, por parte dos estabelecimentos, de empregados sob o regime CLT, trabalhadores temporários, trabalhadores avulsos, agentes públicos e trabalhadores estatutários, trabalhadores cedidos e dirigentes sindicais, e diretores sem vínculo empregatício, para os quais o estabelecimento ou entidade tenha optado pelo recolhimento do FGTS (contribuinte individual).
A série histórica iniciou em 1985 e passa pelas gestões de Lula e Dilma. Os dados de 2022, último ano de Bolsonaro, ainda não foram divulgados.
Governo Bolsonaro não criou mais empregos que Lula e Dilma
Ao ser contatado pelo Comprova, o MTE disponibilizou uma tabela com os dados de geração de empregos entre 2003 e 2023. Na lista, estão delimitados os anos e os números de admitidos, desligados, saldo líquido e estoque - total de pessoas empregadas formalmente, com carteira assinada. Os dados, no entanto, consideram os valores do Caged tanto com a antiga quanto com a nova metodologia.
Para avaliar a alegação viral a partir de uma mesma metodologia, Lira sugeriu uma comparação a partir das informações da Rais. E, para poder analisar os números de 2022, que ainda não estão disponíveis, o uso dos dados do Novo Caged de 2022, somando o Estoque de Vínculos Formais da Rais 2021 com o saldo anual de empregos do Caged 2022. Nesta comparação, 'a conclusão é que Bolsonaro não gerou mais empregos formais que Lula e Dilma', analisou o especialista.
A partir da inserção do eSocial, o Novo Caged tem uma metodologia mais aproximada com a forma com que a Rais é apresentada, o que permite que a comparação seja mais fidedigna. No entanto, é preciso ressaltar que ainda há diferenças entre os dados dessas duas contagens, por não serem metodologias totalmente idênticas.
Em nota técnica de outubro de 2020 do Ministério da Economia, há uma comparação entre a Rais e o eSocial, que passou a contabilizar o Novo Caged. Enquanto o eSocial obriga a inserção de todos os trabalhadores formais, a Rais exclui algumas categorias: diretores sem vínculo empregatício para os quais não é recolhido FGTS; autônomos; eventuais; ocupantes de cargos eletivos; estagiários; bolsistas; empregados domésticos; cooperados ou cooperativados; diretores e assessores de órgãos, institutos e fundações dos partidos, quando remunerados com valor mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Isso faz com que o número do Novo Caged, apesar de mais aproximado da Rais do que na metodologia anterior, seja maior que esse parâmetro. Para exemplo de comparação, no ano de 2021, enquanto a Rais apresentou saldo de 2.492.695 novos empregos gerados, o Novo Caged informou a criação de 2.778.360 novas vagas.
A tabela abaixo mostra a comparação feita por Lira, governo a governo.
A soma do saldo líquido dos governos petistas, sem contar o atual mandato de Lula, totalizaria mais que o triplo do que o saldo do governo de Bolsonaro, justamente porque a comparação seria entre 14 anos contra apenas quatro.
Entre 2003 e 2016, o número de empregos com carteira assinada criados no Brasil totalizou 17.376.285. Já entre 2019 e 2022, foram 4.111.504. Para fins de comparação, o Comprova calculou também a média de criação de vagas de emprego por ano nos mandatos, a maneira mais correta de criar parâmetros.
Durante o primeiro mandato de Lula, foram criados em média 1,6 milhão de empregos por ano. No segundo mandato do petista, a média subiu para 2,2 milhões. No primeiro mandato de Dilma, esse número chegou a 1,3 milhão. Em seus dois anos do segundo mandato, até o processo de impeachment, foram destruídos 3,5 milhões, uma perda de, em média, 1,7 milhões de empregos anualmente.
Já com Bolsonaro, foram criados cerca de 1,02 milhão de empregos por ano, em média. Diferentemente do que faz crer a postagem, a média anual de criação de empregos no governo de Bolsonaro só foi maior do que a do segundo mandato de Dilma.
Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Nexo e O Povo. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.