Jornal Estado de Minas

Dramaturgo defende teatro associado à educação para superar bullying

Agência Brasil
As suposições levantadas de que o atirador da escola de Realengo sofria bullying podem nem mesmo ser confirmadas, mas certamente fazem com que a discussão do tema contribua para a melhoria da relação entre os alunos. A observação é do autor e diretor teatral carioca Francis Ivanovich, que desenvolve, há oito anos, um trabalho que envolve o teatro ligado à educação, numa concepção de ensino mais humanista, que inclua as artes, a filosofia e a sociologia.
Ele acredita que essa associação de áreas complementares do conhecimento pode aprofundar a discussão de temas como o bullying e contribuir para a melhoria da relação entre colegas de escola.

Desde o ano passado, a Companhia Teatral EnsinoemCena, que ele dirige, vem encenando, em escolas privadas e públicas do Rio, a peça Bullying, Tô Fora, com texto de sua própria autoria.

Segundo Ivanovich, esse trabalho é resultado de um processo de criação que demandou seis anos. A peça, explica, busca uma linguagem não apenas didática, mas também emocional, para abordar a questão. “Nossa experiência vem demonstrando que, de fato, a arte realmente contribui muito dentro do ambiente escolar. A gente percebe que a questão do bullying mexe muito com os alunos e que, nesse caso, o teatro faz diferença”, afirma Ivanovich.

Para ele,o teatro, quando associado à educação, proporciona uma reflexão muito mais tocante para os alunos do que as palestras. “A questão do bullying vem sendo tratada na maioria das escolas apenas com convites a psicólogos e a outros especialistas, mas, muitas vezes, numa linguagem distante do universo da criança e do jovem”, diz.

Nas escolas, após a encenação da peça, os atores promovem um debate com os alunos e, aí, conta Ivanovich, a plateia se transforma. “Tanto quem pratica o bullying como o que sofre acaba sendo afetado e o resultado tem sido muito objetivo.”

Segundo o diretor teatral, é usado o método criado pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht, do teatro épico, que é a técnica do distanciamento. “A gente coloca em cena tanto o agressor como o agredido, mas de forma crítica.

Cada um deles critica e se critica. Para o aluno que assiste à peça, não ocorre apenas um processo de identificação. É como se estivesse num laboratório olhando a cobaia”.

Declarações dadas à imprensa, por colegas de Wellington Menezes de Oliveira, que disparou contra os alunos da Escola Municipal Tasso da Silveira, dão conta de que o atirador chegou a receber na escola o apelido de Sherman, numa referência ao personagem considerado nerd, interpretado pelo ator Chris Owen no filme American Pie.

Para Ivanovich, esse é um exemplo típico de identificação, no qual a escola tem que trabalhar a crítica e a autocrítica. “O agressor não percebe o seguinte: Será que o que estou fazendo com o outro está machucando ele? Será que o que estou fazendo com o outro, um dia, vai me ferir? Eu fiquei estarrecido quando li a declaração de um ex-colega dizendo que um dia bateu nas costas de Wellington e disse: ‘Olha, eu tenho medo de você porque sei que um dia você vai matar muita gente’. Isso é muito sério. Uma brincadeira, uma frase, um apelido pode marcar a vida de uma pessoa seriamente”.

Para o autor e diretor da peça, a transposição de situações como essa para o teatro desperta as crianças e adolescentes para a seriedade do bullying. “Quando eles veem isso na peça, a ficha cai. Ficam tocados e começam a perceber que o bullying não é apenas uma brincadeira e que tem consequências e repercussão na vida do agredido e na sua própria vida”, diz Ivanovich.

De acordo com Ivanovich, é na faixa de 9 a 10 anos, a chamada pré-adolescência, que a escola precisa trabalhar mais a questão da crítica e autocrítica, da observação e do respeito ao outro. “A escola, no Brasil, é muito informativa. Passa muita informação para os alunos, mas pouco espírito crítico. Com um olhar mais humanista, vamos chegar ao ensino médio com uma garotada melhor, com um convívio melhor.”

Bullying, Tô Fora está sendo encenada para alunos de 8 a 16 anos. Com um repertório de textos teatrais sobre diversos temas relacionados ao universo do estudante, a Companhia Ensino EmCena já fez, nesses oito anos, apresentações em mais de 500 escolas de todo o estado do Rio de Janeiro, para um público estimado em mais de 200 mil alunos. Maiores informações sobre o trabalho do grupo podem ser obtidas no site www.teatroemcena.com.