A aposentadoria é algo impensável para Oscar Niemeyer. Aos 103 anos, o arquiteto se apega à rotina. Veste terno – sem gravata – e cumpre jornada de trabalho no escritório com uma das mais belas vistas do mar de Copacabana, na cobertura do Edifício Ypiranga. O visual é impressionante, assim como a disposição do anfitrião para a vida. Niemeyer reclama que há um mês está sem andar, mesmo com a fisioterapia. A mente, no entanto, segue perfeita.
Além de projetos, da revista de arquitetura de que se orgulha, Niemeyer anda satisfeito com o samba composto em parceria com um de seus enfermeiros, Caio Almeida. Tranquilo com a vida, foi criado na UTI, quando ele se recuperava de duas cirurgias no ano passado. Vera Lúcia, a mulher do arquiteto, conta que um dia chegou ao hospital e o tumulto estava formado em volta do marido. Eram médicos e enfermeiros curiosos para ouvir a música. Um Niemeyer que continua a encantar e a surpreender. Em entrevista ao Estado de Minas, ele fala com lucidez sobre arquitetura, política e conta histórias. Jura que voltará a Brasília, mas com uma ressalva: "Quando for preciso".
O que a vida tem de melhor?
Você sabe que uma vez um amigo meu me perguntou: Oscar, e a vida? Eu disse: mulher do lado e seja o que Deus quiser.
O resto pouco importa?
O resto, paciência...
O senhor mantém isso?
Lógico. Olha aí a minha mulher. Amizade, respeito, amor, entusiasmo. Hoje ganhei uns livros (audiobook). Ontem eu coloquei Platão. Mas hoje ouvimos Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Era uma choradeira, o sujeito está morrendo, mas descrevia tão bem. É formidável. É muito bom esse aparelho para ouvir. O livro é bom e tem uma entonação... É uma nova paixão, um caminho interessante de revisitar as coisas e ir tocando a vida.
E pela arquitetura, o senhor ainda tem paixão?
Desde que nasci, gostava de desenhar. Meu pai não fazia muita fé de eu ser arquiteto, não. Mas eu quis ir. Fui para a escola, fui trabalhar com o Lúcio (arquiteto Lucio Costa) durante um tempo. Depois veio a Pampulha (conjunto arquitetônico em Belo Horizonte). Depois que fiz a Pampulha, o mundo clareou. Começou a aparecer muito trabalho. Defendo uma arquitetura diferente. Acho que a arquitetura não basta servir bem ao homem. Ela tem que ser bonita e, para ser bonita, tem que ser diferente, tem que criar surpresa. De modo que adotei um trabalho que é uma invenção.
Como tem sido a sua rotina? O senhor vem ao escritório todo dia?
A pessoa tem que se ocupar. Ficar parado não dá. O mundo não é tão amigo. É tanta complicação. Quando não é com a gente é com os amigos. O trabalho alivia a dureza da vida.
Além de projetos, como ocupa sua cabeça?
Você viu a nossa revista? (revista Nosso caminho, publicação idealizada pelo arquiteto). A revista é o que queremos fazer da vida. Levar o conhecimento aos outros, ser útil aos mais jovens, fazer eles compreenderem e despertar para ler muito. Senão o sujeito fica fora da jogada, não sabe o que está se passando. De modo que é muito bom trabalhar olhando para o futuro.
E os jovens? Que conselho daria?
Leiam muito. Leiam sempre. Ler para conhecer, para descobrir, se encantar. A revista de arquitetura é um pretexto para levar ao mais jovem o conhecimento. A gente procura dar o exemplo. Temos um professor que nos dá aula de filosofia e sobre o cosmo há cinco anos. Toda terça-feira aqui. A gente precisa se distrair, conhecer as coisas, saber por que estamos aqui neste mundo, por que aparecemos, saber a vida como é. Gosto tanto de ouvir o professor falar sobre o cosmo, sobre o universo, vendo que somos um pigmeuzinho em cima da Terra. Somos insignificantes diante da grandeza do mundo.
O senhor tem arrependimentos?
Olhando para trás, vejo coisas que poderia ter evitado. Todo mundo tem um lado bom e um ruim. Mas pelo menos tem predominado essa ideia. Na minha casa, na sala de visitas tinha cinco janelas, eu me lembro que a minha avó fez de uma das janelas o oratório e tinha missa em casa, então eu lidava com aquele pessoal, a família toda religiosa, os amigos religiosos, e eu, aos 17 anos, gostava daquela gente, eram bons. Marcou para mim, que sou ateu, uma tendência de aceitar a religião. Conheci diversos padres que frequentavam a minha casa...
Mas agora o senhor tem se aproximado mais da religião e tem desenhado igrejas.
Bastante. É curioso esse reencontro com a minha juventude, com a religião. Sabe, tenho lembrado muito da Pampulha. Minha vida de arquiteto começou lá. Juscelino me chamou, me entusiasmou. Depois, fiz outros projetos para ele. Engraçado, eu fui sempre cercado pelos mineiros, no meio dessa coisa o Rodrigo Melo Franco era o amigo quase predileto. Era uma pessoa tão boa, tão correta. Ele me chamou para o Patrimônio. Eu ia com ele ver as obras antigas, ia a Ouro Preto. Ele foi formidável. Defendeu esse passado de arte do Brasil e arquitetura. Minas foi marcante na minha vida.
Qual é a melhor forma de envelhecer?
Envelhecer? É esquecer a velhice e fazendo o que é possível.
E vivendo feliz?
Ah... Temos coisas que são exemplo de felicidade, mas o mundo é terrível. Os que vão embora e a gente tem que participar do drama. É complicado. Mas a vida é assim. Não acho que o mundo seja muito generoso com alguns... A vida é dura. É difícil. Tem que se arrumar, se organizar, para poder atravessar o caminho sem se chatear muito.
O trabalho ajuda a envelhecer?
Ajuda também. A família, a minha mulher que está me olhando. Isso tudo ajuda a aguentar a parada com mais tranquilidade. A vida é assim: nasce é um sopro. Nasce e morre num sopro. Hoje estava lendo esse livro de Machado de Assis, ele contando da vida dele. Ele teve sorte. Tinha talento. De modo que sempre fez o que gostaria de ter feito. Fazer o que se gosta é fundamental. O sujeito viver contrariado é um horror.
O senhor fez o que gostaria de ter feito?
Fiz uma parte. Fiz um pouquinho.
Daqui a 200 anos alguns brasileiros serão lembrados. O senhor e Pelé serão os dois nomes mais citados. Isso o deixa feliz?
Cumpro meu trabalho tranquilamente. Estou de braços dados com os amigos. Isso tudo é importante, é, mas a vida é muito mais que isso. E a vida está correndo.
São muitos os amigos?
Tenho muitos amigos. Sempre tive muitos amigos. É bom marchar junto. Ter bons amigos é extraordinário. Um apoiar no outro, mesmo quando entrei no partido, as tarefas que surgiram, os contatos que tive, conheci sujeitos mais dignos, os intelectuais que lidavam com a gente e o povo entusiasmado com as pequenas coisas que conseguíamos melhorar. Mas a reforma, a mudança final ainda está de pé.
O senhor se mantém otimista em relação à vida?
Eu acho. Eu me proponho a igualdade, a solidariedade. É importante demais para desaparecer porque a maioria é pobre, a maioria é miserável, tem fome.
Mas os políticos só pensam em si mesmos e em enriquecer...
Ah bom, mas a burguesia é assim mesmo.
O senhor está satisfeito com o governo Dilma?
Até agora, sim. Ela é inteligente, preparada e firme nas posições. Uma pessoa muito capaz e dedicada. Tem tudo para fazer um bom governo. Acho que Dilma fará o povo brasileiro feliz.
Chegou o momento de o povo brasileiro sorrir um pouco mais?
Pois é. Chegou a oportunidade. Foram tantos desafios, tantos sofrimentos... É inegável que hoje a populaçao está mais feliz e satisfeita. Mas a vida é tão complicada. Tão inesperada... Sorrir certamente ajuda a enfrentar a dureza do cotidiano. Dilma precisar aprender isso.
Mas a sua paixão mesmo é o ex-presidente Lula. Não sente falta dele?
O Lula foi ótimo. Ele compreendeu bem o problema da América Latina. Compreendeu o trabalho de Fidel, de Chávez, dessa turma... Sabe o que interessa ao Brasil.
Em que áreas precisamos avançar para melhorar?
Em muitas, mas Lula tem que ter tempo para agir.
Mas ele não vai mais agir. Está fora do governo.
Mas ele tem força popular. É estimado. Foi uma pessoa muito importante para o Brasil. Por trás ele tem influência. Deve ser ouvido. Ele precisa ficar do lado dela nessas horas, nesses momentos delicados. Lula o povo entende mais.
E ele voltará à presidência?
Lógico. Acho que, se ele quiser, ele volta. Ele é muito estimado.
O senhor gosta de música?
Gosto muito. Tocava um pouco de violão e até toquei com o Jobim. Gosto do Wando, do Aragão. Outro dia fiz um samba. Querem ouvir o samba? Fiz no hospital. Fiz de brincadeira. A letra é política. A vida é um samba enredo , né?
Além de projetos, da revista de arquitetura de que se orgulha, Niemeyer anda satisfeito com o samba composto em parceria com um de seus enfermeiros, Caio Almeida. Tranquilo com a vida, foi criado na UTI, quando ele se recuperava de duas cirurgias no ano passado. Vera Lúcia, a mulher do arquiteto, conta que um dia chegou ao hospital e o tumulto estava formado em volta do marido. Eram médicos e enfermeiros curiosos para ouvir a música. Um Niemeyer que continua a encantar e a surpreender. Em entrevista ao Estado de Minas, ele fala com lucidez sobre arquitetura, política e conta histórias. Jura que voltará a Brasília, mas com uma ressalva: "Quando for preciso".
O que a vida tem de melhor?
Você sabe que uma vez um amigo meu me perguntou: Oscar, e a vida? Eu disse: mulher do lado e seja o que Deus quiser.
O resto pouco importa?
O resto, paciência...
O senhor mantém isso?
Lógico. Olha aí a minha mulher. Amizade, respeito, amor, entusiasmo. Hoje ganhei uns livros (audiobook). Ontem eu coloquei Platão. Mas hoje ouvimos Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Era uma choradeira, o sujeito está morrendo, mas descrevia tão bem. É formidável. É muito bom esse aparelho para ouvir. O livro é bom e tem uma entonação... É uma nova paixão, um caminho interessante de revisitar as coisas e ir tocando a vida.
E pela arquitetura, o senhor ainda tem paixão?
Desde que nasci, gostava de desenhar. Meu pai não fazia muita fé de eu ser arquiteto, não. Mas eu quis ir. Fui para a escola, fui trabalhar com o Lúcio (arquiteto Lucio Costa) durante um tempo. Depois veio a Pampulha (conjunto arquitetônico em Belo Horizonte). Depois que fiz a Pampulha, o mundo clareou. Começou a aparecer muito trabalho. Defendo uma arquitetura diferente. Acho que a arquitetura não basta servir bem ao homem. Ela tem que ser bonita e, para ser bonita, tem que ser diferente, tem que criar surpresa. De modo que adotei um trabalho que é uma invenção.
Como tem sido a sua rotina? O senhor vem ao escritório todo dia?
A pessoa tem que se ocupar. Ficar parado não dá. O mundo não é tão amigo. É tanta complicação. Quando não é com a gente é com os amigos. O trabalho alivia a dureza da vida.
Além de projetos, como ocupa sua cabeça?
Você viu a nossa revista? (revista Nosso caminho, publicação idealizada pelo arquiteto). A revista é o que queremos fazer da vida. Levar o conhecimento aos outros, ser útil aos mais jovens, fazer eles compreenderem e despertar para ler muito. Senão o sujeito fica fora da jogada, não sabe o que está se passando. De modo que é muito bom trabalhar olhando para o futuro.
E os jovens? Que conselho daria?
Leiam muito. Leiam sempre. Ler para conhecer, para descobrir, se encantar. A revista de arquitetura é um pretexto para levar ao mais jovem o conhecimento. A gente procura dar o exemplo. Temos um professor que nos dá aula de filosofia e sobre o cosmo há cinco anos. Toda terça-feira aqui. A gente precisa se distrair, conhecer as coisas, saber por que estamos aqui neste mundo, por que aparecemos, saber a vida como é. Gosto tanto de ouvir o professor falar sobre o cosmo, sobre o universo, vendo que somos um pigmeuzinho em cima da Terra. Somos insignificantes diante da grandeza do mundo.
O senhor tem arrependimentos?
Olhando para trás, vejo coisas que poderia ter evitado. Todo mundo tem um lado bom e um ruim. Mas pelo menos tem predominado essa ideia. Na minha casa, na sala de visitas tinha cinco janelas, eu me lembro que a minha avó fez de uma das janelas o oratório e tinha missa em casa, então eu lidava com aquele pessoal, a família toda religiosa, os amigos religiosos, e eu, aos 17 anos, gostava daquela gente, eram bons. Marcou para mim, que sou ateu, uma tendência de aceitar a religião. Conheci diversos padres que frequentavam a minha casa...
Mas agora o senhor tem se aproximado mais da religião e tem desenhado igrejas.
Bastante. É curioso esse reencontro com a minha juventude, com a religião. Sabe, tenho lembrado muito da Pampulha. Minha vida de arquiteto começou lá. Juscelino me chamou, me entusiasmou. Depois, fiz outros projetos para ele. Engraçado, eu fui sempre cercado pelos mineiros, no meio dessa coisa o Rodrigo Melo Franco era o amigo quase predileto. Era uma pessoa tão boa, tão correta. Ele me chamou para o Patrimônio. Eu ia com ele ver as obras antigas, ia a Ouro Preto. Ele foi formidável. Defendeu esse passado de arte do Brasil e arquitetura. Minas foi marcante na minha vida.
Qual é a melhor forma de envelhecer?
Envelhecer? É esquecer a velhice e fazendo o que é possível.
E vivendo feliz?
Ah... Temos coisas que são exemplo de felicidade, mas o mundo é terrível. Os que vão embora e a gente tem que participar do drama. É complicado. Mas a vida é assim. Não acho que o mundo seja muito generoso com alguns... A vida é dura. É difícil. Tem que se arrumar, se organizar, para poder atravessar o caminho sem se chatear muito.
O trabalho ajuda a envelhecer?
Ajuda também. A família, a minha mulher que está me olhando. Isso tudo ajuda a aguentar a parada com mais tranquilidade. A vida é assim: nasce é um sopro. Nasce e morre num sopro. Hoje estava lendo esse livro de Machado de Assis, ele contando da vida dele. Ele teve sorte. Tinha talento. De modo que sempre fez o que gostaria de ter feito. Fazer o que se gosta é fundamental. O sujeito viver contrariado é um horror.
O senhor fez o que gostaria de ter feito?
Fiz uma parte. Fiz um pouquinho.
Daqui a 200 anos alguns brasileiros serão lembrados. O senhor e Pelé serão os dois nomes mais citados. Isso o deixa feliz?
Cumpro meu trabalho tranquilamente. Estou de braços dados com os amigos. Isso tudo é importante, é, mas a vida é muito mais que isso. E a vida está correndo.
São muitos os amigos?
Tenho muitos amigos. Sempre tive muitos amigos. É bom marchar junto. Ter bons amigos é extraordinário. Um apoiar no outro, mesmo quando entrei no partido, as tarefas que surgiram, os contatos que tive, conheci sujeitos mais dignos, os intelectuais que lidavam com a gente e o povo entusiasmado com as pequenas coisas que conseguíamos melhorar. Mas a reforma, a mudança final ainda está de pé.
O senhor se mantém otimista em relação à vida?
Eu acho. Eu me proponho a igualdade, a solidariedade. É importante demais para desaparecer porque a maioria é pobre, a maioria é miserável, tem fome.
Mas os políticos só pensam em si mesmos e em enriquecer...
Ah bom, mas a burguesia é assim mesmo.
O senhor está satisfeito com o governo Dilma?
Até agora, sim. Ela é inteligente, preparada e firme nas posições. Uma pessoa muito capaz e dedicada. Tem tudo para fazer um bom governo. Acho que Dilma fará o povo brasileiro feliz.
Chegou o momento de o povo brasileiro sorrir um pouco mais?
Pois é. Chegou a oportunidade. Foram tantos desafios, tantos sofrimentos... É inegável que hoje a populaçao está mais feliz e satisfeita. Mas a vida é tão complicada. Tão inesperada... Sorrir certamente ajuda a enfrentar a dureza do cotidiano. Dilma precisar aprender isso.
Mas a sua paixão mesmo é o ex-presidente Lula. Não sente falta dele?
O Lula foi ótimo. Ele compreendeu bem o problema da América Latina. Compreendeu o trabalho de Fidel, de Chávez, dessa turma... Sabe o que interessa ao Brasil.
Em que áreas precisamos avançar para melhorar?
Em muitas, mas Lula tem que ter tempo para agir.
Mas ele não vai mais agir. Está fora do governo.
Mas ele tem força popular. É estimado. Foi uma pessoa muito importante para o Brasil. Por trás ele tem influência. Deve ser ouvido. Ele precisa ficar do lado dela nessas horas, nesses momentos delicados. Lula o povo entende mais.
E ele voltará à presidência?
Lógico. Acho que, se ele quiser, ele volta. Ele é muito estimado.
O senhor gosta de música?
Gosto muito. Tocava um pouco de violão e até toquei com o Jobim. Gosto do Wando, do Aragão. Outro dia fiz um samba. Querem ouvir o samba? Fiz no hospital. Fiz de brincadeira. A letra é política. A vida é um samba enredo , né?