Homofobia e terrorismo não são crimes, enquanto a punição para furto é mais pesada que a de homicídio culposo - aquele cometido sem intenção de matar. Esses e outros temas da legislação brasileira serão examinados pela Comissão de Reforma do Código Penal, instalada no Senado a pedido do senador Pedro Taques (PDT-MT), e poderão sofrer mudanças para aumentar ou diminuir punições.
Naturalmente polêmicos, assuntos como aborto e crimes financeiros podem receber desde sexta-feira opiniões da população por meio do site https://www.senado.gov.br/senado/alosenado/codigo_penal.asp. As sugestões sobre descriminalização, definição de novos crimes e penas alternativas, entre outras, servirão para nortear o trabalho da comissão, que deverá apresentar um anteprojeto do novo Código Penal ao Congresso em abril.
A comissão, formada por 15 juristas, tem como objetivo elaborar uma legislação penal mais moderna e corrigir abusos e desproporções. Elaborado em 1940 e reformado em 1984, o Código Penal tem 350 artigos e há 119 leis penais fora dele. "O Brasil é o País dos mil crimes", afirma o relator da comissão, procurador regional da República da 3.ª Região, Luiz Carlos Gonçalves. "Há leis demais, aplicação de menos, bobagens que são consideradas crimes e comportamentos graves e sérios que não são."
É crime, por exemplo, furar fila para votação em dia de eleição, mas não é crime fraudar concurso público com uso de ponto eletrônico. Roubar prova de um concurso é crime, mas comprá-la, não. Portar, vender e adquirir material obsceno é crime que prevê de seis meses a dois anos de detenção. A legislação penal brasileira não tem definição para o terrorismo. Mas a lei que define lavagem de dinheiro prevê punição para aqueles que usam recursos provenientes do terrorismo para este fim.
Pessoas que agridem homossexuais atualmente são punidas por lesão corporal. Mas o procurador destaca que o artigo V da Constituição prevê que qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais deverá ser punida por lei específica. "Assim, não se pode deixar de fora a discriminação por orientação sexual, da mesma forma que a lei já pune outras formas de discriminação", afirma.
A sugestão do relator é a inclusão da homofobia na Lei 7.716/89, que dispõe sobre os crimes de preconceito contra religião, raça e etnia. "Hoje, a pessoa discriminada por religião, fé, origem ou raça já tem a proteção da lei. A ideia é estender a lei diante de outras formas de discriminação, inclusive contra orientação sexual", diz.
A pena para a gestante que faz aborto é de detenção de um a três anos. Para Gonçalves, ouvir a opinião da população sobre o tema será fundamental. "Na minha opinião, é preciso analisar a questão do aborto para encontrar uma solução que tanto proteja o direito à vida do nascituro quanto o direito à vida das mulheres que fazem abortos clandestinos e morrem em razão disso", afirma. A ideia, segundo ele, será procurar uma resposta moderna de proteção às vítimas e de defesa social em questões polêmicas. "Para isso, é importante para a comissão que as diversas concepções filosóficas e religiões apresentem seu ponto de vista."
Nos casos de crimes cometidos no trânsito, Gonçalves avalia que é preciso mudar a lei sobre o uso de bafômetro. Como ninguém é obrigado a produzir prova contra si, os motoristas embriagados frequentemente se recusam a fazer o teste. Para o procurador, a solução é modificar a lei para punir quem dirige alcoolizado, independente do grau de concentração de álcool no sangue. Dessa forma, a autoridade pública poderia presumir que o motorista está alcoolizado e o bafômetro estaria disponível justamente para que o motorista prove que não está. "O direito ao uso do bafômetro passaria a ser uma prova de defesa para afastar a presunção de embriaguez."
A comissão pretende ampliar a quantidade de crimes punidos com medidas que não a prisão. Mas, para Gonçalves, aqueles cometidos com violência, tais como homicídio, crimes sexuais, roubo e sequestro, devem continuar a ser punidos com detenção. No caso do homicídio culposo, cometido sem intenção de matar, o procurador avalia que a punição deve ser elevada - hoje, a pena vai de um a três anos de prisão, menos severa que a do furto, de um a quatro anos de detenção. "Algumas leis dão a impressão de que o País se preocupa mais com o patrimônio do que com a vida das pessoas, e a vida humana parece ter um valor muito pequeno."
Com tantos temas controversos, a orientação da comissão, presidida pelo ministro Gilson Dipp, é explorar ao máximo os espaços de consenso, modernizar e unificar o código e favorecer a internalização dos tratados internacionais que o País firmou, como a Convenção de Palermo, que dispõe sobre o crime organizado transnacional, e o Estatuto de Roma, que estabelece o Tribunal Penal Internacional. "O ambiente da comissão, formada por juristas notáveis, é ótimo para termos uma discussão franca sobre esses temas", disse o procurador.