Mesmo achando que “a esta altura da vida” é difícil se alfabetizar, a mulher ainda sonha em decifrar letras. “Eu queria ler a Bíblia”, diz Maria da Conceição. Edwirges Ferreira de Faria, de 48 anos e mãe de 10 filhos, compartilha desse desejo. Evangélica, ela conta que tem vontade de poder orar acompanhando o livro sagrado de sua religião, mas mostra um desânimo característico dos adultos analfabetos. “Para a pessoa que já é velha, acho que não dá para estudar mais”, afirma.
“Os adultos analfabetos precisam de um incentivo a mais para estudar. Mas, nos lugares mais carentes, muitos projetos são travados por questões políticas. Para alguns políticos, é mais interessante que as pessoas continuem analfabetas para não haver liberdade da reivindicação do exercício da cidadania e dos seus direitos”, critica Ivanir Barbosa de Oliva Silva, que desenvolve trabalho de articulação com associações comunitárias de Miravânia. Ela destaca que uma turma chegou a ser iniciada no município, mas não seguiu em diante. A alegação da prefeitura, segundo a professora, foi o custo elevado. A secretária municipal de Educação de Miravânia, Irene Vilas Boas, e o prefeito, Elpidio Mota Dourado (PTB), não retornaram o contato da reportagem para comentar o assunto.
Falta de interesse político, sem dúvida, é um problema generalizado, afirma Roberto Catelli, coordenador do programa de EJA da Ação Educativa, entidade que promove cursos. Ele destaca que, aliada ao pouco interesse de gestores públicos, está a dificuldade em localizar a demanda por alfabetização. “Ela não é explícita como no caso de crianças fora da escola. Você precisa mobilizar o adulto para que ele queira estudar. Então, o Censo 2010 vem em boa hora, até para romper com o argumento de muitos prefeitos de que não há demanda para esse tipo de programa”, diz o especialista.
Evasão Tão difícil quanto mobilizar analfabetos que já passaram da idade escolar é mantê-los nas classes ao longo dos meses. Não por acaso, a média de evasão na educação de jovens e adultos, segundo o Ministério da Educação, é de 40%. “Esse aluno se sente constrangido em voltar aos estudos após anos de ausência. Por isso, o conteúdo deve ser adequado”, explica Ophelis Françoso Júnior, editor executivo de EJA de uma editora que desenvolve material didático para as turmas de adultos. Para manter o adulto no banco escolar, completa Catelli, além de livros e abordagens adequadas, é preciso investimentos em áreas não necessariamente ligadas ao tema da educação. “Um transporte eficiente, por exemplo, e creches para os filhos dos alunos.”
Questões culturais, sociais e econômicas de cada município, segundo o Ministério da Educação (MEC), influenciam na alfabetização de adultos e idosos no Brasil. A pasta enfatiza que a abertura de turmas do Programa Brasil Alfabetizado se dá por meio de adesão de governos estaduais e prefeituras, que recebem recursos federais. “É uma ação de corresponsabilidade entre governos em que cada um tem seu foco de atuação e atribuições”, diz o MEC, em nota. Em 2010, segundo a pasta, o Brasil Alfabetizado atendeu 1.814.522 pessoas com 15 anos ou mais. Em 2011, 26 estados e 1.336 municípios se incorporaram ao programa, dos quais 329 já têm a adesão concluída e os demais em análise. A meta prevista é atender aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. No Brasil, são quase 14 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais.
Ensino inexistente
A Bahia tem presença maciça na relação das 32 cidades brasileiras sem oferta de EJA, embora essas localidades apresentem índice de analfabetos igual ou maior que um quarto da população adulta. O pior indicador, entretanto, está no Rio Grande do Norte: na cidade de João Dias, 38,9% dos moradores com 15 anos ou mais não sabem ler ou escrever. Da Região Norte, há três municípios situados no Tocantins. No Sudeste, cinco cidades de Minas Gerais figuram na lista. A maior parte, entretanto, é do Nordeste.