O incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz deixou um triste saldo para a pesquisa brasileira: comprometimento de 40% do programa antártico brasileiro, perda de material e dados coletados nos últimos quatro meses e um atraso previsto de anos nos levantamentos sobre meteorologia, camada de ozônio e geologia que dependem da base da Marinha na Antártida. Com o fim do verão, o governo terá que esperar até o fim deste ano para iniciar a reconstrução da base, que pode levar dois anos – dependendo do volume de recursos que será destinado ao projeto.
O engenheiro agrônomo Roberto Ferreira Machado Michel, que já esteve no local em seis ocasiões, lamentou ontem a perda de um trabalho minucioso realizado pelos pesquisadores. “Tudo que foi coletado é perdido e você tem um prejuízo grande porque interrompe uma série temporal de pesquisas”, afirmou o mineiro, que chegou da Antártida no último dia 30. Roberto Michel integra a equipe do projeto Solos Gelados – Criossolos, que estuda a composição química e física do solo, um dos melhores indicadores do impacto ambiental no ecossistema e que permite a verificação de mudanças climáticas.
Segundo ele, o prejuízo se torna ainda maior levando-se em conta que a base incendiada é um apoio logístico fundamental para o trabalho dos cientistas, que precisam da estrutura em seus estudos. Como eles só ficam no continente entre dezembro e março – com exceção de alguns meteorologistas, que fazem pesquisas durante o inverno –, a previsão é de que os brasileiros levarão no mínimo dois anos para voltar ao ritmo normal.
A coordenadora geral do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais (INCT-APA), Yocie Valentin, disse ontem que além da perda de dados coletados desde novembro, equipamentos que ficaram na estação não puderam ser trazidos com os pesquisadores. “A gente vai parar um pouco as pesquisas, com certeza”, confirmou a bióloga, que é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sem se desanimar. “Tem que olhar para frente e continuar”.
Os prejuízos científicos passam por dois aspectos: a perda de dados coletados e a destruição de equipamentos importantes. Como os laboratórios foram atingidos, Valentin já sabe que alguns aparelhos, como microscópios, foram perdidos. Entre eles, o destaque é o Flowcam, usado para a análise do plâncton – pequenos seres vivos que ficam na superfície da água. O equipamento recém-adquirido pelo valor de US$ 120 mil (cerca de R$ 205 mil) seria usado pela primeira vez por brasileiros na Antártida.
BACKUP A líder do INCT-APA teme ainda pela perda de dados importantes. O que estava nos computadores ficou inacessível, mas pode ser que o material tenha sido gravado em algum outro lugar, como um backup. Os biólogos eram maioria entre os pesquisadores brasileiros na Antártida neste verão. O diretor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Jefferson Simões, disse que as áreas mais afetadas são as de biociência, quimíca atmosférica e monitoramento ambiental.
Da Antártida, os pesquisadores monitoram a camada de ozônio, que filtra os raios ultravioletas do sol. Isso tem impacto sobre o Brasil na saúde, porque esses raios podem causar câncer de pele, e na agricultura, pois provocam alterações nas plantas. A estação também servia de apoio para os estudos na área de geologia, com a análise química do solo e do gelo que formam o continente. Apesar da preocupação com a pesquisa, os cientistas ressaltaram que nenhum prejuízo será pior que a perda humana – o suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e o primeiro-sargento Roberto Lopes dos Santos morreram no acidente. (Com agências)