Jornal Estado de Minas

Chefe de máfia de caça-níqueis comandava até delegados da Polícia Federal

Entre as mais de 30 pessoas presas no cerco da Polícia Federal contra a exploração de jogos de azar está Carlinhos Cachoeira, conhecido pelo escândalo de Waldomiro Diniz no governo Lula

Edson Luiz

Agentes chegam à sede da Polícia Federal no DF com material apreendido ontem na Operação Monte Carlo, desencadeada em cinco estados - Foto: Lula Marques/Folhapress

 

Brasília – Uma ação da Polícia Federal realizada nessa quarta-feira em quatro estados e no Distrito Federal colocou fim a um esquema de corrupção e de exploração de caça-níqueis que tinha à frente Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Ele ficou conhecido em 2004, quando acusou o ex-subchefe da Casa Civil Waldomiro Diniz de ter recebido dinheiro quando era dirigente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj). O esquema, segundo a PF e o Ministério Público, já durava 17 anos e contava com a colaboração de policiais federais, civis e militares, além de outros servidores públicos. Dos 35 mandados de prisão expedidos pela Justiça de Goiás, 31 já haviam sido cumpridos até a noite, na Operação Monte Carlo – alusão a uma das localidades do Principado de Mônaco, onde existem dezenas de cassinos.

Conforme a PF, a investigação, que começou há 15 meses, detectou uma espécie de franquia de pontos liderada por Cachoeira, que liberava os locais, instalados em Goiás e no Entorno, para que fossem usados por outras pessoas na exploração de jogos de azar, inclusive jogo do bicho. Policiais eram encarregados de fazer uma espécie de fiscalização e quem não entrava no esquema tinha seus equipamentos recolhidos. Na apuração da PF e de procuradores da República, ficou constatada a participação de seis delegados, sendo dois da própria Polícia Federal e seis civis. Além disso, havia 29 PMs, sendo três tenentes, um capitão, um major, dois sargentos, quatro cabos e 18 soldados. Um patrulheiro rodoviário federal, um funcionário administrativo da PF em Brasília e um funcionário da Justiça em Valparaíso (GO) também estão entre os envolvidos.

“A organização funcionava havia 17 anos na região e nunca teve punição. O grupo usava os policiais para manter a jogatina”, conta o delegado Matheus Rodrigues, encarregado da investigação. “O esquema era sofisticado graças à leniência de autoridades de Goiás e de Brasília”, acrescenta o procurador da República em Goiânia Daniel de Resende Salgado. Os dois contaram que os policiais foram afastados das funções e alguns deles tiveram que comparecer à PF para prestar depoimento, mas não foram detidos.

Cada um dos membros da organização tinha uma tarefa, cabendo aos dois delegados federais vazar informações sobre ações da corporação em torno do combate aos jogos de azar. Outros delegados civis faziam operações para apreender máquinas caça-níqueis, mas entregavam o material para o esquema. Havia também um grupo responsável pela segurança dos locais indicados por Cachoeira.

O pagamento das propinas era pela função de cada policial dentro do esquema, segundo a PF e o MPF. Um soldado poderia ganhar R$ 200 por dia, além de combustível para a viatura que usa, enquanto seu superior recebia uma quantia maior. Os delegados civis poderiam receber até R$ 4 mil mensais, também dependendo da atividade. Dinheiro para pagar a propina não era problema, segundo os investigadores, já que o movimento do esquema de Carlinhos Cachoeira era de pelo menos R$ 3 milhões mensais. Durante as apurações, a PF decidiu fazer buscas em alguns locais de forma planejada para evitar vazamentos e conseguiu recolher pelo menos 200 caça-níqueis.

Os envolvidos, dependendo do grau de participação no esquema, podem ser indiciados por corrupção ativa e passiva, facilitação de contrabando, contrabando, peculato, violação de sigilo, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A Justiça Federal de Goiás expediu 35 mandados de prisão e, até a noite de ontem, 19 pessoas haviam sido detidas no Distrito Federal, nove em Goiânia, uma no Rio de Janeiro, uma em Tocantins e uma no Espírito Santo. Segundo os investigadores, por ter influência em diversos setores, Cachoeira poderá seguir para um presídio federal de segurança máxima, provavelmente em Campo Grande.


Personagem da notícia
CARLOS AUGUSTO RAMOS
Bicheiro
Atrás das grades

- Foto: José Varella/CB/D.A Press %u2013 16/2/05 As investigações sobre o império erguido por  Carlinhos Cachoeira (foto) revelam a influência do empresário no universo parlamentar. Ele manteve contatos políticos no Congresso Nacional e com deputados estaduais de Goiás, estado que sedia uma infinidade de seus negócios ilegais. As amizades políticas lhe conferiam prestígio, em uma via de mão dupla. Quem o conhece se refere a ele como “polvo”, com tentáculos em várias esferas do poder público – do Legislativo a órgãos como a PF e as polícias locais. A atuação dos delegados da PF investigados na Operação Monte Carlo mostra seu modo de agir . Descobriu-se que os delegados vazaram ao empresário informações sobre a Operação Apate, realizada em Goiás e em Minas, em maio. A Apate identificou fraudes de R$ 200 milhões na Receita Federal e envolveu diversas prefeituras.