Jornal Estado de Minas

Um ano depois de tragédia, moradores de Nova Friburgo ainda tentam superar perdas

Muitos dos que foram afetados pelas chuvas alegam que ainda não receberam os benefícios prometidos e nem têm onde morar

Ana Clara Brant

Nova Friburgo –
Depois da tempestade vem a bonança? Nem sempre. Foi assim com Nova Friburgo, na Região Serrana do estado do Rio, que mais de um ano depois da tragédia que assolou o município e região ainda tenta se reerguer. É impressionante como as marcas da catástrofe que matou cerca de 430 pessoas, segundo os dados oficiais da prefeitura – apesar de muitos moradores contestarem esses números –, estão por todos os lados. “O Japão enfrentou um tsunami horroroso e conseguiu se reconstruir. Com a gente, está essa dificuldade até hoje. Tudo culpa dos governantes e do descaso das autoridades”, reclama o comerciante Roberto Silva, de 34 anos, que não se cansa de mostrar a altura que a água da chuva atingiu em sua farmácia, no centro da cidade. “Parecia um mar”, recorda.
As queixas dos friburguenses em relação ao mau uso dos recursos enviados pelo governo federal têm fundamento, já que o Ministério Público Federal (MPF) está investigando o caso e boa parte das ações não executadas em torno da recuperação dos estragos da chuva na Serra fluminense são explicadas justamente pelo desvio do dinheiro. A Justiça Federal determinou, no fim do ano passado, o afastamento do prefeito em exercício, Dermeval Barboza Moreira Neto (PTdoB), que corre o risco até de ser cassado. Em ação proposta pelo MPF, ele responde por improbidade administrativa e é acusado de desvio de verba, superfaturamento e fraude.

Quem assumiu o poder é o presidente da Câmara Municipal, Sérgio Xavier (PMDB), que é o terceiro prefeito da cidade em apenas um mandato, já que o eleito em 2008, Heródoto Bento de Melo, está afastado por problemas de saúde. “Se juntar esses três, não dá um. A população tem que ficar atenta ainda mais neste ano que tem eleição. A cidade ainda não se recuperou do estrago e pode ter certeza que isso se deve por culpa dos políticos”, frisa a costureira Rogéria dos Santos, de 56 anos.

Muitos dos que foram afetados pelas chuvas também alegam que ainda não receberam os benefícios prometidos nem têm onde morar. “Teve gente que nem precisava de dinheiro e recebeu. Eu mesmo, até hoje, não recebi nada. É um absurdo isso. Nem sei como a consciência desse povo não pesa”, denuncia Raimundo Pereira, de 56, morador da zona rural da cidade, um dos pontos que mais sofreram com as chuvas de janeiro de 2011.

Praticamente todos os bairros de Nova Friburgo foram atingidos pelas enchentes e desmoronamentos, inclusive o Centro, onde vários prédios foram afetados. “Muitos edifícios desabaram com um monte de pessoas dentro. Foi um horror. Moro aqui há muitos anos e não me lembro de ter visto algo parecido. O que as pessoas assistiram na televisão e nos jornais não se compara ao que vivemos aqui. Foi uma catástrofe”, observa o floricultor paulista Erasmo Habata, de 66.

TRAUMA

Quem também não esqueceu a tragédia é a sogra de Erasmo, a aposentada Cremilda Martins, de 79. Sua casa fica localizada na beira do Rio Bengalas, que corta praticamente toda a cidade, e foi totalmente invadida pela água e pela lama. “Perdi praticamente tudo e não tinha onde ficar. Cada hora ia morar com um parente. Fiquei uns quatro meses sem voltar para casa. A minha vizinha perdeu neto, sobrinho e o marido morreu de desgosto. Toda vez que escuto um trovão, tremo de medo. E acredito que isso aconteça com vários conterrâneos meus”, conta Cremilda.

A doméstica Helena Tomaz Ferreira, de 62, é outra que ressalta o pavor dos friburguenses com relação às chuvas e diz que não há ninguém na cidade que não tenha sido afetado naquele período. Helena lembra que chegou a ficar três meses sem sair de casa porque a região onde mora ficou totalmente isolada. “A enchente não privilegiou ninguém. Pobre, rico, preto, branco, homem, mulher. Estava na casa de uma senhora que eu trabalho, e a água começou a invadir. A gente não sabia o que fazer. Achamos que íamos morrer. Até hoje você vê fortes resquícios do que aquilo tudo provocou. Ainda está muito presente na nossa vida”, salienta Helena, que perdeu um neto e um sobrinho na catástrofe.

Além de ter perdido entes queridos, muitos viram a própria história ir pelo ralo. Cartas, fotografias, arquivos pessoais e até documentos desapareceram. Esse foi o caso do comerciante Silvino Ferreira, de 49, que teve sua casa completamente destruída. Vários vizinhos até hoje não foram localizados. “Repara o estado dessa kombi e dessa variant que estão largados aqui até hoje. Os donos desses carros sumiram nas águas e não há rastro deles, mesmo depois de um ano e dois meses das tempestades. Olha, nem se o Godzilla tivesse passado por aqui tinha causado tanto estrago”, resume Silvino.

Saiba mais

Origem suíça

Nova Friburgo é uma cidade localizada na Região Serrana fluminense, a 126 quilômetros do Rio de Janeiro, e foi colonizada por suíços. Ela ganhou esse nome justamente em homenagem à cidade de onde partiu a maioria das famílias, Fribourg, na Suíça, para o Brasil. Localizada entre montanhas e cortada pelo Rio Bengalas, conta com uma população de 182.082, segundo dados do Censo de 2010. A própria topografia corroborou para que o efeito da chuva que atingiu o município em janeiro de 2011 fosse mais devastador.

OUTRO LADO

Em nota divulgada pelo governo do Rio, logo depois da tragédia, o governo federal repassou R$ 70 milhões para serviços emergenciais nos sete municípios atingidos pelas chuvas. Do total, R$ 21 milhões custearam aluguel social. R$ 49 milhões foram usados em serviços como apoio ao Corpo de Bombeiros e à Defesa Civil. Ainda segundo a nota, está em andamento processo para construção de 5.459 casas do programa Minha casa, minha vida ao custo de
R$ 452,6 milhões. Em Nova Friburgo, são 2.166 residências.