A maioria das crianças vítimas de abuso sexual sofre violência crônica. Algumas começam a ser abusadas aos 3 anos e, somente aos 7, começam a verbalizar o assunto. É o que afirma a ginecologista e médica legista do Instituto Médico Legal de Belo Horizonte Maria Flávia Brandão. Ela destaca que é longo o martírio dessas pequenos, já que quando o crime é denunciado é necessário o comparecimento em vários órgãos. “Faltava um lugar ideal para acolhimento dessa vítima, longe da estrutura policial”, afirma. Para mudar o quadro, um projeto pioneiro no país começa a ser implantado na capital mineira. Trata-se do Projeto de Humanização do Atendimento às Vítimas de Violência Sexual e de Implantação da Cadeia de Custódia de Material Biológico, do qual a médica é uma das coordenadoras.
O projeto já foi implantado em três dos quatro Centros de Referência ao Atendimento às Vítima de Crime Sexual da capital mineira, que funcionam no Hospital Júlia Kubitscheck, na Maternidade Odete Valadares, no Hospital das Clínicas e no Hospital Municipal Odilon Behrens, único que ainda não conta com o serviço. Segundo Vilma Ferreira, por enquanto, o serviço atende somente mulheres adultas, mas já está em fase de implantação para crianças e adolescentes, cujo atendimento precisa ser ainda mais especializado, dada a condição de vulnerabilidade.
Embora a cadeia de custódia ainda não receba o público infantojuvenil, nos quatro hospitais é feito atendimento especializado a crianças e adolescentes. Somente no Hospital Júlia Kubitscheck, até este mês foram registrados 18 casos de abuso sexual contra vítimas com menos de 14 anos de idade, contra quatro casos de mulheres adultas. Todos os registros envolvendo menores são encaminhados pelo conselho tutelar. “O que mais nos preocupa são as subnotificações, que não chegam a nós porque não há denúncia”, destaca a médica Maria Flávia Brandão. “Isso é reflexo de uma cultura machista, de patriarcado, repleta de preconceito e há ainda a falta de apoio dos órgãos competentes em atender essas vítimas”, acrescenta a investigadora Vilma Ferreira.