O procedimento é autorizado pela legislação brasileira, desde que haja um vínculo afetivo entre pais e filhos adotivos. Mas os empresários usaram a brecha como uma forma de regularizar a situação dos clandestinos em Londres. Garantiram que, caso os brasileiros encontrassem cidadãos portugueses dispostos a adotá-los, poderiam iniciar a ação de adoção. O valor cobrado era de até 3,7 mil libras, o equivalente a mais de R$ 11 mil. Os valores eram pagos aos representantes da Fênix Corporation ou depositados em contas de advogados com atuação no interior de Goiás, como Paulo e Igor Alves Ferreira, pai e filho.
Procuração Maria* ainda se lembra do dia em que os empresários visitaram a igreja que ela frequenta. "Quando acabou o culto, eles ofereceram o serviço aos brasileiros. Disseram que era tudo dentro da lei. Bastava dar uma procuração aos advogados, que eles cuidariam de tudo", relembra. Maria está ilegal na capital britânica há oito anos, onde trabalha como faxineira. Maria vive em uma casa com mais sete brasileiros e um português. Foi o colega de residência de origem lusitana que se transformou no seu pai adotivo. "Ele nem cobrou nada, porque sabe como minha vida é difícil aqui", justifica. Ela desembolsou 3,5 mil libras e mudou a certidão de nascimento. Mas a sentença foi cancelada na semana passada, depois da descoberta do golpe.
Flávia* frequenta a mesma igreja e tem história semelhante. Ela também foi abordada pelos empresários da Fênix Corporation durante um culto evangélico. "Liguei para um amigo advogado no Brasil e ele me contou que a lei realmente permite a adoção de adultos. Então, fiquei tranquila", relembra. A polícia brasileira já enviou pedidos de informações ao Reino Unido sobre o paradeiro dos representantes da Fênix Corporation. Vítimas da fraude dizem que Cláudio Domiciano teria sido preso, mas a polícia britânica disse que não pode confirmar a informação. Ainda segundo cidadãos que negociaram com a empresa, Mateus Cocco teria fugido para a Itália e os outros representantes da Fênix desapareceram.
Revoltada, Cláudia* conta que entregou suas economias para os donos da Fênix e para advogados no Brasil. "Quem cuidava do meu processo era o doutor Paulo (Ferreira da Silva). Ele me pediu R$ 5 mil porque disse que tinha contatos dentro da Justiça para conseguir liberar os processos mais rapidamente. E de fato a sentença saiu de um dia para o outro", afirma Cláudia. Mãe de um bebê de seis meses nascido em Londres e de mais duas crianças que ficaram no Brasil com os avós, ela está ilegal no Reino Unido há dois anos. Outra vítima é a brasileira Shirley*, que está em Londres há quatro anos e faz bicos para sobreviver. "Um dos empresários da Fênix, Mateus Cocco, chegou na nossa igreja e disse que também era evangélico. Fez uma pregação e, no final, veio falar da possibilidade da adoção.”
* Nomes fictícios
O CAMINHO DA FARSA
Como brasileiros que vivem fora do país caíram no golpe das adoções:
1) Há cerca de um ano, representantes da empresa Fênix Corporation percorreram comunidades de brasileiros em Londres em busca de pessoas em situação irregular. Três brasileiros que representavam a Fênix foram às igrejas evangélicas frequentadas por conterrâneos ilegais para oferecer os serviços. As pessoas abordadas eram , em sua maioria, de baixa renda e trabalhavam como faxineiras e operárias.
2) Os representantes da Fênix fizeram reuniões com mais de 100 brasileiros que se mostraram interessados pelo serviço. Eles explicaram como funcionava a adoção de adultos, prevista na legislação brasileira, e disseram que em troca de 3,7 mil libras esterlinas (mais de R$ 11 mil) poderiam tocar os processos na Justiça brasileira. Para isso, os brasileiros teriam que encontrar pais adotivos, de preferência da nacionalidade portuguesa.
3) Diante do interesse, os representantes da Fênix sugeriram a adoção mediante pagamento. Alguns brasileiros foram adotados por amigos e vizinhos, mas outros procuraram cidadãos de Portugal dispostos a receber em troca da adoção.
4) Há cerca de seis meses, a Fênix fechou as portas. A Polícia de Londres não confirma, mas brasileiros que vivem na cidade acreditam que o sócio da empresa, Cláudio Domiciano, teria sido preso em território britânico. Ainda assim, o funcionário da Fênix Mateus Coco continuou a negociar com os brasileiros.
5) Pelo menos três advogados de cidades como Ceres e Carmo do Rio Verde, no interior de Goiás, receberam dinheiro para atuar em processos de adoção de adultos. Os advogados Paulo Alves Ferreira da Silva e Igor Santos Ferreira da Silva, pai e filho, estão com a prisão preventiva decretada. A Justiça também determinou a prisão de Felipe de Freitas Monteiro, servidor da Justiça.
6) A Justiça cancelou pelo menos 75 processos que estavam em andamento. Com a suspensão das sentenças, a nova certidão de nascimento perde o valor e os brasileiros não poderão mais pedir a cidadania estrangeira.