Jornal Estado de Minas

PUC-Rio abre Caravana da Anistia para relatos de violações ocorridas na ditadura

AgĂȘncia Brasil
O auditório abarrotado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) não comportou todos os participantes da 61ª Caravana da Anistia nesta manhã. Criada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, a sessão itinerante fez mais um pedido simbólico de desculpas, por parte do Estado, a perseguidos politicamente pela ditadura militar no Brasil (1964-1988).
Por falta de espaço, a maioria assistiu de pé os relatos dos que sobreviveram para contar as violações aos direitos humanos cometidos por agentes do Estado. Muitos viram a sessão do lado de fora, por um telão.

Dentre os anistiados homenageados por ocasião da visita da comissão, três foram assassinados durante o golpe militar. Os irmãos Yuri e Alex Xavier Pereira, militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da Ação Libertadora Nacional (ALN), foram mortos em 1972; Lincoln Bicalho Roque, militante do PCB, foi assassinado com 15 tiros pela polícia em 1973. Outro homenageado, o estudante de direito Fernando Augusto de Santa Cruz, membro da Ação Popular Marxista-Leninista, continua desaparecido desde 1974.

Muito emocionada, Iara Xavier Pereira, irmã de Yuri e Alex, chamou ao palco amigos e ex-militantes que conheceram seus irmãos, pessoas que sobreviveram às torturas. “Nossa família de sangue é muito pequena, mas, hoje, é muito maior, que são os companheiros que tivemos na luta”, declarou com voz embargada. “Estou abrindo o espaço que tenho aqui para falar em nome de minha família, para que essa família de amigos deponham sobre eles ”.

Vitória Grabois, filha do militante de esquerda Maurício Grabois, desaparecido na Guerrilha do Araguaia, foi uma das homenageadas no evento e exigiu a abertura dos arquivos da ditadura militar e que os torturadores sejam responsabilizados e punidos pelo que fizeram. “Sem a abertura dos arquivos, os militares nunca vão falar”, declarou. “Precisamos dessa abertura para que a tortura nunca mais aconteça neste país”.

Outro homenageado, o ex-militante político Cid de Queiroz Benjamin, foi preso e torturado, assim como o irmão, César Benjamin. “Se não remexer o passado fosse melhor para a sociedade, eu defenderia essa ideia”, declarou o jornalista. “Mas, para evitar que os males do passado voltem no futuro, precisamos continuar lembrando as injustiças do passado. Não tenho nenhum prazer em ficar falando das torturas a que eu e meus companheiros fomos submetidos. Mas é preciso remoer o passado para que se criem anticorpos na sociedade contra a tortura”.

Para Cecília Thumin Boal, viúva do teatrólogo Augusto Boal, fundador do Teatro do Oprimido e também homenageado pela caravana, qualquer tipo de iniciativa para trazer a verdade à tona e reparar injustiças é válida. “Qualquer coisa que se faça vale à pena. O Brasil está avançando como pode e depende de nós, sociedade, fazer as coisas avançarem mais”.

Também foram homenageados Luiz Carlos Prestes, líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por mais de 50 anos, e a estilista Zuzu Angel, mãe do militante do MR-8 Stuart Angel, torturado e morto pela repressão. Zuzu também foi morta em um misterioso acidente.

O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, fundador da Caravana da Anistia, afirmou que esse gesto de reparação serve para reconhecer o direito de resistência dos cidadãos brasileiros contra a opressão. “O Estado faz uma autocrítica em relação ao seu papel e aponta ao seu futuro seu perfil principal de protetor da cidadania e não de repressor. Por outro lado, as caravanas dão a oportunidade para a juventude conhecer essas graves violações e desenvolver uma consciência de repúdio aos crimes de lesa-humanidade”.

Criadas em 2008, as caravanas da Anistia já passaram por diferentes cidades neste ano: Camaçari (BA), São Paulo, Teresina, Porto Alegre (RS), Bauru (SP), Florianópolis e Fortaleza. A próxima caravana será em Curitiba.