Dois anos após a Prefeitura de São Paulo assumir a administração da Feira da Madrugada, na região do Brás, centro de São Paulo, a área de quase 120 mil metros quadrados virou terra sem lei. Novos boxes são construídos clandestinamente e negociados a comerciantes por até R$ 500 mil. Quem tem barraca no local ainda convive com ambulantes que ofertam todo tipo de mercadoria, de sacolas a espigas de milho. Tudo sob os olhos de funcionários da Secretaria Municipal de Coordenação de Subprefeituras, pasta responsável pela gestão do espaço.
Quem recebe a propina para liberar o trabalho dos camelôs e a construção das novas barracas, segundo afirmam os comerciantes, é a administração da feira, que atua em conjunto com uma associação de comerciantes não reconhecida pela Prefeitura. Oficialmente, o gestor é o coronel da reserva da Polícia Militar João Roberto Fonseca, assessor especial das Subprefeituras. Na prática, a função é dividia com Manuel Simão Sabino Neto, o presidente da Comissão dos Comerciantes da Feira da Madrugada Pátio do Pari (Cofemapp).
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Desabamento provoca uma morte e deixa três feridos na Feira Brasil Rural no Rio de JaneiroFeira em Brasília estimula troca de brinquedos entre criançasIgualmente notória é a construção de boxes. Em época de Natal, quando a demanda por artigos do comércio popular mais do que dobra, a procura por um espaço para vender aumenta. Há quem compre até no atacado, para alugar posteriormente. As construções são feitas preferencialmente na área reservada ao estacionamento.
Na semana passada, o jornal O Estado de S. Paulo flagrou duas barracas sendo erguidas e simulou interesse na compra de uma já existente, por R$ 300 mil - o repasse também é proibido, já que o cadastro é pessoal e intransferível.
O aluguel segue a mesma linha. Interessados negociam diretamente com o dono do box, mas o preço segue uma espécie de “tabela de mercado”. No primeiro mês, o pagamento é maior. Custa R$ 4 mil. Nos meses seguintes, cai para R$ 3 mil.
Toda a ampliação irregular do uso do espaço segue uma suposta hierarquia. Os interessados devem procurar inicialmente os “corretores”. Assim como no mercado formal, são eles que procuram o espaço adequado de acordo com a oferta e a procura. Depois de negociada, a compra é autorizada e começa a construção do espaço. A tarefa é feita pelos “serralheiros”, que tentam usar o mesmo material para não fugir do padrão e assim evitar chamar atenção. O passo final é a obtenção do cadastro, que passaria pelo próprio coronel Fonseca.
Mensalidade
A Prefeitura afirma gastar R$ 1,5 milhão por mês com a manutenção da feira. Mas a Cofemapp cobra R$ 250 mensais dos comerciantes, com o argumento de que o investimento feito pela gestão Gilberto Kassab (PSD) não é suficiente. O grupo, no entanto, não é reconhecido pela Prefeitura, que já indeferiu por três vezes o pedido de cogestão do espaço, segundo informações publicadas no Diário Oficial da Cidade.
Na prática, quem caminha pelos corredores tem mesmo a impressão de que a feira é administrada pela associação, que tem 67 funcionários contratados. Eles ajudam na segurança, na manobra dos veículos e na cobrança das mensalidades. Alguns fazem o papel de zeladores, ajudando até em pequenos consertos e limpeza. Para serem identificados, alguns usam crachás e abusam de rádios comunicadores. Diferentemente da Prefeitura, cuja marca não é ao menos notada no espaço, a Cofemapp tem logotipo próprio. Ele é visto em forma de adesivo nas barracas, com o nome de Sabino e a inscrição: “autorizado”.
Neste ano, passou a funcionar a Operação Delegada no local. Mas ali não reina o rigor com camelôs pelo qual ficou conhecida a administração do prefeito Gilberto Kassab (PSD). Ao contrário do que ocorre em outras áreas de São Paulo, com autorização da Cofemapp, comerciantes ambulantes com mercadorias em sacolas não fogem dos PMs. As irregularidades são investigadas pelo Ministério Público e pela Polícia Civil.