Brasília – Dono de um dos maiores sistemas públicos de transplante de órgãos do mundo, o Brasil ainda tem o desafio de aumentar o envolvimento das famílias dos potenciais doadores. Em pesquisa coordenada pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), 45% dos entrevistados responderam que não doariam órgãos de parentes mortos. Foram ouvidas 2.617 pessoas entre janeiro e setembro, com 1.178 recusas. A pesquisa indica que a resistência da família ainda é a maior causa para a não concretização do procedimento.
Hoje, a legislação brasileira determina que os parentes são responsáveis pela destinação dos órgãos do possível doador. Apesar do alto índice de rejeição, o coordenador-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Heder Murari, ressalta que as campanhas de conscientização têm dado resultado. “Hoje cerca de 56% das famílias se mostram favoráveis no momento em que é solicitada a doação. Em 1997, esse número não chegava a 10%”, comparou. De acordo com o Ministério da Saúde, o número de transplantes de órgãos e tecidos chegou a 12.287 no primeiro semestre, o que corresponde a um crescimento de 12,7% em relação ao mesmo período do ano passado.
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Brasil tem maior sistema público de transplantes, mas burocracia atrapalhaFalta de informação dificulta transplantes no BrasilGoverno quer ampliar número de transplantes de órgãos e medulaEditada em 1997, a Lei 9.434, conhecida como Lei dos Transplantes, introduziu a doação presumida, que dependia da manifestação do desejo em vida do potencial doador, registrado em documentos como a Carteira de Identidade e a Carteira Nacional de Habilitação. No entanto, em 2001, a Lei 10.211 extinguiu o procedimento e determinou que a doação ocorreria somente com autorização familiar, independentemente do desejo em vida do possível doador.
Bem de todos
Há ainda o conceito de consentimento presumido forte, aplicado em países como Áustria, e Polônia. Nesse caso, como explica o professor de Bioética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) José Roberto Goldim, o Estado pode utilizar os órgãos como for conveniente. “O bem da sociedade é colocado acima do bem individual”, pontua o professor, destacando que, na França, embora a lei determine o consentimento presumido forte, os médicos ainda entrevistam as famílias.
Para o especialista, o ideal seria elaborar um modelo de decisão compartilhada.
Meta de aumentar notificação
Outro desafio para o Sistema Nacional de Transplantes é aumentar o número de notificações de possíveis doadores. Segundo a ABTO, entre janeiro e setembro, foram registradas 6.240 notificações de potenciais doadores de órgãos sólidos. Os números têm se mostrado estáveis nos últimos anos. Em 2011, o número de notificações foi de 7.238, pouco maior do que em 2010, quando foram registrados 6.979. Para o segundo secretário do Conselho Federal de Medicina (CFM), Gerson Zafalon, o crescimento depende de fatores como a ampliação das equipes transplantadoras e da capacitação dos médicos em diagnosticar a morte encefálica. “Os serviços de emergências devem ser bem aparelhados e com equipes médicas treinadas e capacitadas para realizar o diagnóstico de morte encefálica”, justificou o médico.
Atualmente, há uma discussão no Conselho Federal de Medicina (CFM) e no Sistema Brasileiro de Transplantes no sentido de rever a obrigatoriedade de pelo menos um médico neurologista para o diagnóstico de morte encefálica. O coordenador-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Heder Murari, lembra que muitos hospitais do país não dispõem de um especialista em neurologia.
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