Brasília – Por pior que seja o crime cometido, ninguém pode ficar preso mais de 30 anos no Brasil. O limite previsto no Código Penal e confirmado por jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), porém, não se aplica a uma população até então invisível: os louco infratores. Enquanto a lei determina que façam tratamento psiquiátrico compulsório em hospitais de custódia até se restabelecerem, em vez de ir para a cadeia, a realidade se encarrega de condená-los a uma pena perpétua. Dentro das unidades conhecidas popularmente como manicômios judiciários espalhadas pelo país, a pergunta não é “quando”, mas sim “se” chegará o dia de ganhar a liberdade.
Graves violações aos direitos mais fundamentais, como a liberdade, foram trazidas à tona pela primeira pesquisa nacional da população que cumpre medida de segurança no país – tratamento imposto a doentes mentais que cometeram crimes sem compreender o caráter ilícito do ato. Para traduzir os números levantados no estudo financiado pelo Ministério da Justiça, o Estado de Minas visitou hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico no Rio de Janeiro, em Salvador e em Barbacena (MG), além do Distrito Federal. E mostra, a partir de hoje, a dura realidade dos 3.989 homens e mulheres dentro desse tipo de instituição no Brasil.
Um em cada quatro internos já deveria estar fora. Ou porque tem laudo médico atestando não haver mais perigo em seu comportamento ou até mesmo sentença judicial determinando que saia do sistema. Nem a medicina nem a Justiça, entretanto, foram capazes de libertar Reginaldo (nome fictício), que vive há 31 anos no Hospital de Custódia e Tratamento (HCT) da Bahia, em Salvador. Há pelo menos seis o homem tem toda a documentação necessária para sair. Falta um local para recebê-lo. Os laços familiares não existem mais. Dentro da unidade ele é classificado formalmente como “problema social”.
Longe do teor pejorativo aparente, a definição representa apenas o que se tornou o homem acometido por uma esquizofrenia residual aliada a déficit de atenção e de inteligência depois de, em momento de surto, ter matado um desconhecido na rua e sido encaminhado ao estabelecimento sob a custódia do Estado. É impossível saber a idade de Reginaldo, sem documentos e com a fala já debilitada. É como se o ex-morador de rua, confinado há mais de três décadas, simplesmente não existisse. “Há casos difíceis aqui, pois não temos para onde mandá-los, por mais que tenham laudo indicando a desinternação. Depois de décadas confinados, eles não têm mais laços familiares nem sabem andar na rua”, diz Sônia Campos, assistente social do HCT da Bahia.
Reginaldo faz parte das 18 pessoas encontradas pela pesquisa com mais de 30 anos dentro de instituições psiquiátricas judiciárias pelo país. “Um único indivíduo em situação de abandono perpétuo já é motivo suficiente para nos causar inquietação, mas o censo mostra que 21% de toda a população internada está há mais tempo do que se fossem apenados. Muitos com mais de 20 anos lá dentro, porque roubaram uma bicicleta ou uma sirene da polícia”, afirma a antropóloga Débora Diniz, que coordenou a pesquisa.
Doentes em presídios comuns
Em sete estados não há estabelecimentos para doentes que cometeram crimes, e eles ficam em delegacias e presídios, sem tratamento. Há dificuldades mesmo onde o sistema existe, como em Minas Gerais. No estado, cerca de 600 pessoas com distúrbios mentais estão em penitenciárias, diz João Bosco de Abreu, diretor-geral do Hospital Psiquiátrico Judiciário de Barbacena.