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Estado de Minas A INSANIDADE DO SISTEMA

Presos em manicômio judiciário prestes a ver a luz no fim do túnel

O segundo capítulo da série sobre os manicômios mostra as dificuldades do programa Desinternação Progressiva


postado em 18/12/2012 06:00 / atualizado em 18/12/2012 09:29

No Hospital Jorge Vaz, os presos vivem em estado constante de letargia provocada pelo uso de medicamentos (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
No Hospital Jorge Vaz, os presos vivem em estado constante de letargia provocada pelo uso de medicamentos (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

 Barbacena - Um homem de aproximadamente 60 anos, pele escura e rugas profundas no rosto está parado próximo ao portão de saída do Hospital Psiquiátrico Judiciário de Barbacena, na Região Central de Minas. Ao seu lado, uma jovem. O guarda digita alguns dados no computador e os dois partem para um passeio pela cidade. O retorno é marcado para um par de horas depois. O uniforme da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi) do Estado pode até chamar a atenção de quem passa pelo detento nas ruas de Barbacena, mas o impacto seria ainda maior se conhecessem a história do prisioneiro. O homem é Raimundo Carvalho dos Santos, enviado em 1995 ao hospital judiciário depois de assassinar o lavrador Jaci Félix da Costa, de 47 anos, na zona rural de Serra Azul de Minas, no Vale do Jequitinhonha, destrinchar o corpo da vítima e o distribuir em dois balaios. Durante três dias, retirou partes do cadáver e as cozinhou no feijão, até ser descoberto e preso.

 Depois de aproximadamente 15 anos no hospital psiquiátrico de Barbacena, Raimundo participa agora de um programa conhecido por Desinternação Progressiva. Ao lado de uma voluntária, o detento passou a sair às ruas como preparação para a liberdade. No caso do ex-morador de Serra Azul de Minas, a partida definitiva pode acontecer em um ano. O destino do prisioneiro é incerto. Um reencontro com a família, por exemplo, pode nunca acontecer. Dos 197 internos do manicômio da cidade – sendo 150 homens e 47 mulheres –, apenas dez recebem visitas. O diretor de atendimento do hospital, Sebastião Vidigal, diz que a falta de contato tem motivação financeira: “A maior parte das pessoas que estão aqui é de família carente, o que impede até mesmo um contato telefônico”. São ainda de cidades distantes, como a de Raimundo, a 500 quilômetros de Barbacena.

 

A unidade psiquiátrica e judiciária local é a única em Minas. São encaminhados ao hospital criminosos suspeitos de terem praticados delitos em momentos de surto. Comprovado o quadro de doença mental, o que é feito por psiquiatras, é emitido um documento chamado medida de segurança. O réu é considerado inimputável e passa a depender de laudos médicos, enviados ao juiz, para deixar o hospital. De início, o documento é renovado por um período de um a três anos. Nada impede, porém, que o prazo seja ainda maior. O detento G.B., de 60 anos, enviado ao hospital pelo crime de lesão corporal, está há 30 anos em Barbacena. O tempo é equivalente ao período máximo que um condenado pela legislação brasileira pode permanecer na cadeia. Outros sete detentos estão próximos de atingir a marca. Três já completaram 27 anos no hospital, dois somam 25, um 26 e um 28.

 O hospital é dividido em duas alas: masculina e feminina. Cada uma conta com grandes salas chamadas enfermarias coletivas, com capacidade para até 17 detentos, e dez celas solitárias, para onde são enviados prisioneiros com problemas de relacionamento com outros internos. Os pátios para banho de sol também são separados. Nas enfermarias masculinas paira uma névoa branca provocada pelo uso de fumo a granel, fornecido pelo próprio estado. “É considerado terapêutico”, explica o diretor de Segurança da unidade, Leonardo Badaró.

 Na ala feminina, sobressai o lamento constante principalmente de prisioneiras mães, que pedem aos seguranças para verem os filhos. As vozes são arrastadas e chorosas. Uma detenta de 22 anos, enviada ao hospital por ter matado a dentadas o filho de três anos, pede rotineiramente para ir embora porque precisa cuidar da mãe. “O que verificamos é que não há um motivo claro para os crimes. Muitas vezes dizem que uma voz mandou que agissem assim”, comenta Badaró.

Suicídios

 Todos os presos vivem em estado constante de letargia provocada pelo uso de medicamentos. Ainda assim, a unidade já chegou a registrar dez tentativas de suicídio em um mês. Hoje, pelo menos uma ocorrência de tentativa de autoextermínio é registrada a cada 30 dias, geralmente por enforcamento. O uso de lençóis, que podem facilmente ser cortados em tiras, e cadarços são evitados para detentos considerados em estado mais grave. As tentativas de dar fim à vida, no entanto, podem partir de qualquer um dos internos. A agitação é maior, segundo Badaró, quando detentos não tomam e escondem a medicação da qual precisam fazer uso.

 De forma geral, o prédio que abriga o hospital está em condições razoáveis de uso. As paredes das solitárias, no entanto, estão descascadas. Os pátios para banho de sol são estreitos. Segundo o diretor administrativo do hospital, Paulo César Pereira, a unidade não tem autonomia orçamentária. Recursos para reformas, pequenos serviços e compras dependem de repasses da Secretaria de Estado de Defesa Social.

 Além de abrigar detentos com problemas mentais, o hospital realiza os exames que determinam o nível de lucidez de quem praticou o crime na hora do delito, porém apenas em mulheres. Os homens são atendidos em uma unidade em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Há ainda teste para diagnóstico de dependência química e tratamento psiquiátrico temporário.

 À medida que registram avanço no tratamento, os detentos podem participar de projetos desenvolvidos pelo hospital, como cultivo de horta e frequentar uma sala de aula montada dentro da unidade para educação de jovens e adultos. “Acham que o louco infrator não tem condições de assimilar conhecimento, mas isso não é verdade”, garante o diretor-geral do hospital, João Bosco de Abreu.

 Apesar de toda a boa vontade, o serviço prestado pela unidade não chega a todos os detentos que precisam de tratamento psiquiátrico em Minas Gerais. Segundo João Bosco, aproximadamente 600 prisioneiros que se encontram em penitenciárias comuns do governo do estado deveriam estar em hospitais como o de Barbacena.

 


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