Só 1% dos doente mentais infratores no Brasil cometeu assassinato em mais de uma ocasião. São 33 pessoas reincidentes no crime de homicídio – que representam 5% do grupo que voltou a praticar delitos depois de um tempo internado por determinação judicial. A taxa de reincidência nos hospitais de custódia atinge 25% do total da população, bem inferior à média estimada no sistema prisional comum, de 70%."O doente mental raramente comete delitos. Isso não é regra. Em geral, os crimes ocorrem porque a pessoa não está medicada, tratada, compensada", diz Talvane Moraes, psiquiatra forense com 25 anos de experiência no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Rio de Janeiro, um dos maiores do país.
Esse é exatamente o perfil de Ivan*, na 8ª internação por lesões corporais e tentativa de homicídio. Diagnosticado com desenvolvimento paranóide e esquizofrenia, o homem de 53 anos, dentista formado que tinha consultório em Salvador antes do avanço da doença, acusa médicos de terem cometido um erro durante cirurgia em sua genitália, considerada por ele menor do que a média. É contra eles, a quem chama de mérdicos, que dirige sua ira. "Ele tem uma interpretação delirante da realidade. Hoje, com medicamentos tão eficazes, se tivesse se cuidado lá fora não precisaria ter voltado. O problema de muitos que reincidem é que negligenciam o tratamento", afirma Paulo Guimarães Barreto, diretor do Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia.
Janelas azuis desenhadas nos muros da unidade simulam a realidade do lado de fora. Dentro, a loucura enclausurada definha em uniformes amarelos puídos. Os internos andam de um lado para outro durante o banho de sol. Alguns poucos ainda conservam vigor e até vaidade. Um deles pergunta ao repórter fotográfico: "Você já ouviu falar do Homem-Aranha?". A negativa não encerra o assunto. "Um que passou na televisão, que subia nos prédios, pulava de uma altura dessa ali", insiste o interno, apontando para o muro. Equipamento em punho para registrar a imagem de outro morador do manicômio judiciário que havia dado uma entrevista, o fotógrafo indaga: "Era ele?". Num movimento quase infantil, o rapaz baixa a cabeça, fica em silêncio por alguns segundos e responde em tom chateado: "Não, era eu". (RM)
* Nomes fictícios