Dois homens conversam sentados à mesa, em um restaurante de Alto Paraíso (GO), na Chapada dos Veadeiros, a 230 km de Brasília. O assunto é improvável. “O povo diz que o mundo vai acabar. Tá preparado?”, pergunta o mais jovem entre eles, que está na casa dos 30 anos, mas com a feição envelhecida pela barba amarelada e longa. A resposta vem de pronto. “O mundo acaba todo dia para alguém, para quem morre, talvez. Mas não duvido nada se uma onda gigante sair pegando tudo no caminho”, avaliou o outro, um senhor de 70 e poucos anos, que parece ter saído há pouco do Woodstock.
O município de Alto Paraíso está dividido entre os que acreditam nas profecias do calendário maia, que, segundo interpretações de estudiosos, previu o fim do mundo para 21 de dezembro de 2012, e os que se irritam somente de ouvir falar no tema por considerá-lo uma alucinação coletiva. Baseados nesse calendário, místicos apontaram Alto Paraíso como o lugar onde a humanidade sobreviverá à catástrofe, por questões geográficas e esotéricas.
Independente mente da crença individual, é fato que a profecia – que é controversa, chegou a ser contestada por uma ala de adeptos das crenças maias – mudou a rotina de Alto Paraíso e atraiu centenas de pessoas para a região. O mercado imobiliário do pacato município nunca foi tão movimentado.
Corretores de imóveis de plantão agradecem. Só esse ano, eles venderam mais de 200 propriedades para pessoas que temem o fim do mundo ou simplesmente descobriram a existência de um lugar calmo e cheio de belezas naturais graças a essa divulgação. Anteriormente, a conta não passava de 10 imóveis vendidos anualmente. “Se antes o metro quadrado valia R$ 50, hoje se aproxima dos R$ 100. Tudo graças à crença no fim do mundo”, conta Nilton Kalunga, dono de uma corretora.
Alto Paraíso jamais esteve tão destacado ao redor do globo. Em outubro, uma equipe da televisão francesa passou semanas no município para produzir um documentário sobre esse assunto. Além disso, a cidade foi destaque em noticiários nacionais como “o lugar onde o mundo não acabará”. Tamanho burburinho atraiu uma comunidade inteira de japoneses e descentes vindos de São Paulo, e ainda outros estrangeiros de pelo menos 30 nacionalidades que compraram casa ou montaram acampamento ali.
Atualmente, pelo menos 30% da população local são de gringos, de acordo com a prefeitura. “Os japoneses que estão aqui realmente acreditam na possibilidade do fim do mundo. Alguns são traumatizados pelos tsunamis e terremotos e sentem-se seguros nessa região longe do mar e elevada”, explica um novo morador, que preferiu não se expor. Nas próximas semanas, a previsão de fim do mundo deve alterar de vez o dia a dia de Alto Paraíso, com a proximidade do suposto apocalipse.
A região sobrevive principalmente do turismo. Em segundo lugar, vem a agricultura. Em noites de semana, somente grilos fazem barulho nas ruas da cidade tranquila, que só vê agitação e forasteiros aos sábados, domingos e feriados.
O cenário se transformará em 21 de dezembro. Milhares de pessoas se preparam para passar a data fatídica em Goiás. A expectativa da Secretaria de Turismo de Alto Paraíso é de receber 10 mil turistas na região. A população local é de 7,3 mil habitantes. Portanto, haverá mais visitantes do que moradores.
Se depender da programação organizada pela secretaria e por empresários locais, enquanto o resto do mundo estiver se acabando entre chamas e inundações, Alto Paraíso dançará ao som de música eletrônica e Raul Seixas (haverá festas com esses temas), além de promover um passeio ciclístico com nome de Corrida do Fim do Mundo.
“Nossa equipe percorreu o comércio local e principalmente as pousadas para saber sobre o movimento previsto a partir do dia 21. Preparamos tudo para receber essa quantidade de pessoas. O que nos preocupa é o abastecimento de energia elétrica e de água, que provavelmente será insuficiente”, diz a secretária de Turismo de Alto Paraíso, Fernanda Inês.
Em 2000, quando houve outra previsão de fim do mundo, na virada do milênio, mais de 3 mil turistas chegaram a Alto Paraíso. Restaurantes não tinham comida o suficiente para oferecer, faltou energia elétrica e não havia quartos para todos nas pousadas. Moradores deixaram suas residências e alugaram-nas para visitantes, com intuito de fugir do caos de cidade grande que invadiu as vilas. A administração local trabalha para que em 2012 o “fim do mundo” seja diferente.
Pousadas compraram geradores de energia e ampliaram o número de leitos. Entre as seis maiores hospedarias da cidade, quatro já estão lotadas para esse período, desde julho. “Estamos tranquilos, pois temos gerador de energia. Mas foi necessário reforçar o abastecimento de alimentos e de pessoal para receber a quantidade esperada de turistas”, conta Luciana Yoda, dona da pousada Casa Rosa, uma das maiores de Alto Paraíso, que já tem 80% de ocupação reservada para 21 de dezembro.
A crença de que o lugar estará a salvo de catástrofes naturais se explica pela localização geográfica de Alto Paraíso. A altitude dessa área da chapada é de 1,3 mil metros, aproximadamente. É o ponto mais alto de toda a região Centro-Oeste. Além disso, a cidade fica em cima de uma placa de quartzo com cerca de 4 mil metros quadrados, o que traria energia diferente ao local.
O paralelo 14, um dos círculos traçados paralelamente à linha do equador, que determinam a latitude de um lugar, seria o responsável por trazer seres extraterrestres a Alto Paraíso, o que explica a presença de discos voadores de brinquedo espalhados por toda a cidade.
Essa aura atrai turistas – e também novos moradores – com estilo de vida alternativo ou cansados da rotina das grandes metrópoles, como a paulista Tatiana Galliac, que chegou a Alto Paraíso para ficar alguns dias e está lá há dois meses. “Essa energia diferente potencializa tudo. Não acredito nem desacredito na profecia.” E diz ainda que, como Alto Paraíso está em uma altitude privilegiada, poderia sobreviver a desastres como inundações: “A Terra é um organismo vivo e a posição planetária influencia em tudo, estamos todos conectados. O fim do mundo, para mim, é o caos, a violência”, reflete.
A região reserva surpresas inusitadas ao visitante desde a chegada. Logo na estrada, passa-se por debaixo de um arco de concreto branco que lembra uma nave espacial. Discos voadores, extraterrestres, casas em formato de cúpula e até moradias subterrâneas são comuns por lá.
De acordo com a prefeitura, existem cerca de 40 grupos místicos e esotéricos em Alto Paraíso. Habitações ou templos em formato de gota são herança da Cavaleiros de Maitreya, grupo formado por seguidores do profeta conde de Saint-Germain, figura mística da Pensilvânia que alguns acreditavam ter o elixir da juventude.
Outro atrativo da região é São Jorge, uma vila com 500 habitantes e sem asfalto, a 30 km de Alto Paraíso. Ao todo, a região tem 66 pousadas, 14 áreas de camping, além de 37 casas para temporada. São 32 restaurantes em Alto Paraíso, a maioria com cardápio que atende também aos vegetarianos, e 16 em São Jorge. Em geral, as acomodações são simples e as opções de alimentação também não oferecem requinte. Quando o assunto é originalidade e inovação, o visitante tem muito para ver.
Há uma pousada em construção que terá os quartos em formato de nave espacial, sem telhas em cima e feita somente em concreto e vidro. O hotel foi projetado assim para evitar que telhas voem em possíveis vendavais apocalípticos. Na Chappada, a maior pousada da cidade, o visitante é recepcionado por um disco voador que brilha à noite. Lá dentro, há vários ETs de brinquedo, além de quadros com astros do rock e do cinema.
Excentricidades à parte, os maiores atrativos da Chapada dos Veadeiros são as dezenas de cachoeiras, trilhas e o Vale da Lua, onde as rochas esculpidas pelo movimento das águas lembram o solo lunar. Existem várias opções de passeios, inclusive com esportes radicais, como rapel e escalada. Entre as cachoeiras, uma das mais próximas, a 7 km do centro de Alto Paraíso, é a dos Cristais. Como na maioria, é preciso pagar R$ 10 para chegar até as quedas d’água. A mais alta, conhecida como Véu da Noiva, é como um presente para os que conseguem concluir a caminhada.
As cachoeiras mais belas e gratuitas estão no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, declarado Patrimônio Mundial Natural em 2001 pela Unesco. Essas, porém, demandam guias e preparo físico do visitante. Lá, um dos pontos mais visitados é o Vale da Lua, a caminho da vila São Jorge. A entrada também custa R$ 10, pois é uma área de propriedade particular. A trilha de 900 metros em meio à mata leva a uma paisagem incomparável.
Se o visitante estiver disposto a esticar o passeio, há ainda o município de Cavalcante, também famoso por suas belezas naturais, 90 km depois de Alto Paraíso. Ali, vive a maior população quilombola do país. A natureza plena e a diversidade cultural são provas de que, sem ou com misticismo, viver a experiência da Chapada é renovador.
Como chegar à Chapada dos Veadeiros
A DF 345 e a GO 118 ligam a capital à Chapada dos Veadeiros. O percurso de carro dura em média 2h30 e é bem sinalizado, além de ter asfalto em boas condições.
Duas empresas fazem a linha Brasília-Chapada dos Veadeiros (passagens custam cerca de R$ 35 o trecho):
- Real Expresso: 0800-617323 www.realexpresso.com.br
- Santo Antônio: (61) 3328-0834
Informações sobre programações, atrativos, vagas em pousadas
e casas para temporada: Centro de Apoio ao Turista (CAT) (62) 3446-1159.
Calendário Maia
A civilização maia foi uma cultura mesoamericana pré-colombiana. Um conjunto de símbolos esculpidos em pedra forma o famoso calendário, que tem início em 11 de agosto de 3114 a.C. Nele, o mês (chamado de uinal) tem 20 dias. Um ano ocidental corresponde a 18 uinals. De acordo com estudiosos, o calendário maia tem uma duração limitada de 5.200 anos e o fim desse ciclo foi transcrito como o dia 21 de dezembro de 2012.
Em julho deste ano, uma equipe de pesquisadores dos Estados Unidos anunciou a descoberta de um calendário maia mais antigo que os até então documentados. Com a descoberta, pretendiam desmontar a teoria de quem acredita no fim do mundo em 2012. A crença, porém, já estava disseminada.