Às vésperas de completar três anos do pior terremoto da história recente do Haiti, o país ainda busca a reconstrução. O embaixador do Brasil no Haiti, José Luiz Machado e Costa, disse à Agência Brasil que está entre as prioridades da comunidade internacional manter o apoio ao país, e que o governo brasileiro pretende ampliar a concessão de vistos para haitianos. Há ainda projetos de cooperação em energia e saúde, o treinamento de policiais haitianos e até aulas gratuitas de português são organizadas.
“No caso do Brasil, a solidariedade é um dos pilares da nossa relação com o Haiti”, disse o diplomata, lembrando que os dois países reúnem uma série de afinidades. Uma das formas de construir, ressaltou Machado e Costa, é pensar no Haiti como um local para investimentos e comércio. Paralelamente, o embaixador disse que os esforços para a melhoria da qualidade de vida da população, com mais segurança e condições, podem ser percebidas nas ruas de Porto Príncipe, a capital haitiana. A seguir, os principais trechos da entrevista do diplomata à Agência Brasil.
Agência Brasil (ABr) - Às vésperas de completar três anos do pior terremoto da história recente do Haiti, como estão o país e a população?
José Luiz Machado e Costa - Houve avanços consideráveis - a transição democrática entre dois presidentes eleitos pelo voto popular [René Préval, que transmitiu o poder a Michel Martelly], a estabilidade na área da segurança, a evolução progressiva, ainda que lenta, em direção a um amadurecimento institucional, e uma vontade evidente de superar os obstáculos ao desenvolvimento.
ABr – Mas, as imagens de destruição ainda são presentes nas ruas.
Machado e Costa - Os escombros do terremoto foram retirados e melhorou muito a situação dos deslocados. Hoje, há cerca de 360 mil pessoas ainda vivendo em tendas, contra 1,5 milhão que havia logo após o sismo [terremoto]. A reconstrução do país, contudo, tem sido prejudicada por outros desastres naturais, como as secas e os furacões, pela dificuldade do governo para coordenar recursos públicos, pela utilização ineficiente da ajuda externa, além da redução de recursos disponibilizados pela comunidade internacional.
ABr - Como observador estrangeiro, o que o senhor nota que são as principais necessidades no Haiti?
Machado e Costa - Acredito que o Haiti precise urgentemente de fortalecimento institucional, de apoio para a formação de quadros, por exemplo, além de um ciclo virtuoso de energia, investimento e emprego. O número de desempregados e a informalidade no mercado de trabalho são grandes desafios, pois perpetuam as condições de pobreza e subdesenvolvimento. É preciso, portanto, gerar empregos.
ABr – Na prática, como a situação pode ser resolvida?
Machado e Costa - É necessário atrair investimentos, não só em grandes negócios, mas também em pequenas e médias empresas. As novas indústrias e negócios, contudo, precisarão de eletricidade que, no Haiti, depende quase inteiramente de combustíveis fósseis e, portanto, é cara, poluente, além de intermitente .
ABr - Como o Brasil tem contribuído com o Haiti?
Machado e Costa - O Brasil é o maior fornecedor de tropas para a missão de paz das Nações Unidas, presente no Haiti desde 2004, ajudando a garantir a estabilidade e segurança do país. Nossas tropas também colaboram para o desenvolvimento, com projetos de engenharia, como pavimentação de ruas e iluminação pública, e projetos sociais, que aproximam os militares da população e aumentam o carinho e o respeito dos haitianos pela missão. Também temos aqui importantes projetos de cooperação técnica, especialmente na área de saúde, com a construção de três hospitais, dois laboratórios regionais, um centro de reabilitação, além da formação profissional de 2 mil agentes de saúde, no valor de US$ 70 milhões.
ABr – A presidenta Dilma Rousseff, quando esteve em fevereiro, destacou a questão energética, o senhor considera uma das principais contribuições do Brasil?
Machado e Costa - Na área de energia, estamos doando US$ 40 milhões para a construção de uma usina hidrelétrica que fornecerá eletricidade para mais de 1 milhão de pessoas. Esses valores [citados em parte da resposta anterior] são os maiores da cooperação brasileira no mundo. Além disso, procuramos colaborar, juntamente com outros membros da comunidade internacional, para o reforço do diálogo democrático entre as diferentes forças poíticas do país, incentivando sempre o princípio da não intervenção nos assuntos internos.
ABr – A polêmica em torno da concessão dos vistos parece superada.
Machado e Costa - Temos concedido vistos permanentes para os haitianos que queiram trabalhar no Brasil, sem exigência de emprego prévio, algo talvez único no mundo, e temos um Centro Cultural Brasil-Haiti, com aulas de português, divulgação da cultura brasileira e apoio à cultura haitiana.
ABr – Há planos, por parte do Brasil, de ampliar esse apoio e inclusive parcerias?
Machado e Costa - Sim. Além dos grandes projetos em energia e saúde temos novas iniciativas de cooperação em curso como, por exemplo, com a Polícia Nacional do Haiti. Dezesseis policiais deverão ser treinados no Brasil em 2013 e eles repassarão o conhecimento para centenas de outros policiais, quando regressarem. Em relação aos haitianos que querem migrar para o Brasil, decidimos aumentar a concessão de vistos permanentes. Outra iniciativa para o ano que vem serão as aulas gratuitas de português para funcionários da Chancelaria [Ministério das Relações Exteriores] e outros órgãos do governo haitiano.
ABr - A questão da solidariedade com o Haiti está presente em várias reuniões internacionais, na sua opinião o tema continua entre as prioridades da comunidade (internacional)? Por que?
Machado e Costa - Sim, a solidariedade ao Haiti continua entre as prioridades da comunidade internacional, mas essas prioridades estão condicionadas às restrições orçamentárias decorrentes da crise econômica pela qual passam diversos países do Norte. A solidariedade existe não apenas devido às fortes imagens do terremoto de 2010, mas também porque o Haiti é um dos países mais pobres do mundo e o mais pobre das Américas. No caso do Brasil, a solidariedade é um dos pilares da relação com o Haiti, já que o país, ao contrário de outros atores com presença importante aqui, nunca foi uma metrópole colonial. Temos uma realidade mais próxima dos haitianos que aquela dos países mais desenvolvidos, e há uma percepção de igualdade que é muito valorizada por eles.
ABr - É possível pensar em investimentos privados do Brasil para o Haiti? Quais são as eventuais vantagens que isso pode trazer para os empresários brasileiros?
Machado e Costa - Sim. O Haiti tem tradição em indústria têxtil, mão de obra abundante e barata e proximidade com o maior mercado consumidor do mundo – os Estados Unidos. Quando o Congresso brasileiro aprovar projeto de lei [já existente] semelhante a uma lei que há nos Estados Unidos, que concede facilidades alfandegárias a produtos haitianos, empresas do setor têxtil brasileiro poderão produzir no Haiti e exportar, de forma vantajosa, para o mercado norte-americano e, mesmo de volta para o Brasil – nesse caso, reduzindo os efeitos nefastos das importações chinesas no nosso país. Outro possível setor que poderia ser explorado é o de biocombustíveis, pois o Haiti tem solo e clima propícios para a produção da cana-de-açúcar, a principal riqueza do país nos tempos coloniais, e conta com vantagens de importação pelo mercado norte-americano.
ABr - As Forças de Paz das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (cuja sigla é Minustah) deverão ficar por mais quanto tempo no país? Quando deverá ser definido esse calendário?
Machado e Costa - A presença da Minustah será necessária enquanto a Polícia Nacional do Haiti não estiver apta a garantir sozinha a segurança da população. Serão necessários 15 mil homens para um nível de segurança mínimo. Hoje, a PNH [Polícia Nacional do Haiti] conta com apenas 10 mil integrantes e o ritmo de formação de novos policiais tem sido lento.
ABr – Mas o calendário menciona a retirada lenta e gradual, não exatamente completa das tropas, por que?
Machado e Costa - Estima-se que até o fim do mandato do atual presidente, Michel Martelly, em 2016, a meta de 15 mil homens estará atendida, o que permitiria, em tese, a saída das tropas. O calendário de saída, definido de forma conjunta entre a ONU [Organização das Nações Unidas], a comunidade internacional e o governo haitiano, prevê uma redução lenta e gradual. A retirada completa, contudo, dependerá das condições reais de segurança.