A falta de medidas básicas de segurança na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), é apontado por especialistas como o fator decisivo para as proporções tomadas pela tragédia. O estopim foi o aparelho pirotécnico que soltava faíscas, lançado por um dos artistas que se apresentavam na festa, mas uma conjunto de falhas favoreceu o incêndio devastador e tornou impossível o esvaziamento da casa noturna durante a emergência. Diversos fatores, que vão desde o alvará de funcionamento da boate ao tratamento truculento que os seguranças reservaram aos clientes, mostram que muito poderia ter sido feito.
O primeiro ponto que favoreceu a tragédia foi o material usado no revestimento acústico da boate. Segundo o engenheiro acústico Conrado Silva de Marco, professor aposentado da Universidade de Brasília, o maior problema não era o alvará da casa estar vencido, mas o fato de ele ter sido concedido mesmo com a espuma instalada sendo altamente inflamável. “Pela velocidade com que o material pegou fogo, e pelo fato de a fumaça ser tão tóxica, provavelmente o revestimento foi feito com espuma de poliuretano. Um local com tanta gente não pode ter esse material, pois ele é altamente inflamável”, explica. A espuma não é usada para revestimentos acústicos no Brasil há pelo menos 15 anos, pois em caso de incêndio libera gases tóxicos, como o ácido clorídrico.
De acordo com Alberto de Faria, arquiteto presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF (CAU-DF) e diretor do Centro de Planejamento da Universidade de Brasília (UnB), é imperativo que um lugar como uma boate de grande aglomeração de pessoas e com uma série de materiais inflamáveis, tenha medidas básicas de segurança. “A quantidade de saídas de emergência deve ser proporcional ao número de pessoas que o local acomoda. As portas de entrada, de saída e a de emergência devem estar em locais contrários e devem ser bem sinalizadas. O local da saída de emergência tem de ficar em uma posição que tenha como acesso um corredor de pouca circulação, para haver condições de tirar as pessoas do lugar rapidamente, sem tumulto”, lista.
A própria norma federal editada pelo Ministério do Trabalho em 1977 exige medidas preventivas e adequadas contra incêndios. De acordo com a norma, todas as empresas devem oferecer saídas suficientes para a rápida retirada das pessoas em serviço, equipamento suficiente para combater o fogo em seu início, além de pessoas treinadas no uso correto destes.
DOCUMENTAÇÃO
O princípio básico para a liberação de alvarás para casas noturnas e espaços de shows é a existência de projetos para prevenção e para situações emergenciais, segundo Maurício de Carvalho, engenheiro especializado na prevenção de incêndios e dono de empresa que faz laudos técnicos para segurança de shows em Minas Gerais. “Hoje a maioria dos estados tem decretos específicos que definem requisitos mínimos, listas que trazem como deve funcionar a saída de emergência e itens de segurança que devem estar no ambiente. São poucas as diferenças entre essas regras.”
Segundo o engenheiro, ligadas às prefeituras existem outras exigências, relacionadas a questões ambientais, planos de risco e vigilância sanitária. Em BH, as regras que cada edificação deve cumprir dependem do tamanho e do número de frequentadores. “Um espaço com 300 metros quadrados terá que atender a requisitos diferentes de um lugar com 3 mil. Os itens básicos são iluminação de emergência, saída sinalizada, brigadistas no local, número de extintores e hidrantes por ambiente”, diz Maurício. A proporção de cada item para as casas noturnas deve ser definida de acordo com o que será relatado na vistoria feita pelos bombeiros. No projeto emergencial é exigido comentários sobre os brigadistas que estão qualificados para atuar caso seja preciso.
(Colaborou Marcelo da Fonseca)