Jornal Estado de Minas

População de Santa Maria fez passeata pedindo justiça

João Valadares
- Foto: Wilson Dias/ABr
Santa Maria
– Na tarde de ontem, a cidade gritou. Eram 17h50 quando o delegado Marcelo Arigony, com uma contundência diferente dos dias anteriores, respondia à última pergunta da coletiva de imprensa. Já havia relatado o festival de irregularidades da Boate Kiss, a irresponsabilidade dos músicos da banda Gurizada Fandangueiras, que não compraram fogos específicos para locais fechados porque eram mais caros, e confirmado que seguranças da boate espancaram jovens em 2011. O delegado gesticulava e falava alto. Ao lado, dois promotores de Justiça. “Não adianta. Vamos investigar todo mundo. Bombeiros e prefeitura vão ser investigados sim. Vamos cortar na própria carne. Uma criança sabe que aquela casa não poderia funcionar.”
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Antes mesmo de acabar a frase, o grito ao longe de uma multidão o assustou. A entrevista foi interrompida. Justiça, a palavra mais repetida desde domingo, chegou mais perto. O som que vinha de fora fez 30 repórteres descerem correndo as escadas para ver o que estava acontecendo lá embaixo. Era Santa Maria berrando no ouvido das autoridades que queria todos os culpados na cadeia. Só deu tempo de o delegado apontar para a janela e falar para os jornalistas. “Tá vendo? A cidade está pedindo justiça.”

Na rua, a população exibia cartazes e repetia o mantra de uma palavra só. Com um megafone, um estudante que perdeu vários amigos cobrou punição aos agentes públicos que erraram ao liberar o funcionamento do espaço. "Atenção, investigadores, não queremos só a prisão dos sócios da boate e dos seguranças ou dos músicos. Quem não fiscalizou ou liberou de qualquer jeito tem que pagar." Após cinco minutos de cobranças públicas, Arigony desceu as escadas. Antes tirou o paletó. Entrou no meio da manifestação, pegou o megafone do estudante emprestado e pediu para falar. Não conseguiu dizer tudo. Falou apenas que os culpados seriam responsabilizados. Em seguida, a resposta de que a justiça seria feita ficou pela metade. Na frente de todos, o investigador chorou. Naquele momento, uma instituição, a Polícia Civil, assinou o recibo na frente de todos de que não poderia falhar. O delgado entregou o equipamento de volta e retornou ao prédio da Delegacia Regional de Santa Maria.

IRREGULARIDADES

Antes, aos jornalistas, concedeu a entrevista mais forte desde o dia da tragédia. Informou, com base no depoimento de 44 testemunhas, o que o mundo inteiro já sabe: a Boate Kiss é o reino das irregularidades. O delegado declarou que, com base em provas testemunhais, existem indícios de que os extintores da casa noturna eram falsificados ou estavam vencidos. “Algumas pessoas ouvidas relataram que os equipamentos não funcionavam. Outras afirmaram que os extintores foram comprados por um preço muito baixo, o que indica falsificação.” Arigony informou que os donos da boate realizaram reformas internas sem comunicar aos órgãos competentes.

A investigação até o momento apontou que, ao contrário do que o Corpo de Bombeiros afirmou, a porta de saída era muito estreita. "Ela não tinha tamanho suficiente para dar vazão ao público em situação de tumulto", ressaltou o investigador. As provas testemunhais colhidas até o momento mostram que a espuma utilizada no teto estava irregular. "Essa espuma nem faz isolamento acústico, apenas evita eco e é inflamável. Pode ter produzido o gás tóxico", afirmou. O delegado atestou que o alvará concedido pelos bombeiros estava vencido desde 10 de agosto e o alvará sanitário desde 31 de março. "O inquérito policial é uma peça informativa. O que garanto é que vamos colocar todas as informações. Se houve falha nas fiscalizações, os agentes públicos serão responsabilizados." Após realização de três perícias técnicas, a polícia informou que não havia sistema de iluminação de emergência. "A boate não tinha iluminação para crise. As pessoas podem ter corrido para o banheiro ao ver a luz ligada lá, achando que era uma saída de emergência, e acabaram morrendo asfixiadas lá dentro."