Marcelo Mendes Arigony, 40 anos, desde domingo carrega todas as interrogações de um país nos ombros. O peso de uma cidade que repete todos os dias ao encontrá-lo na rua “o senhor não pode falhar.” A pressão é percebida nas pausas para respirar antes de responder a qualquer pergunta. Em Santa Maria, tem fama de senhor da razão. Mas a tragédia tratou de desmentir. O tamanho de um absurdo chamado boate Kiss fez o delegado chorar na frente de todos. “Eu também estou ferido. Perdi uma prima.”
Pouca gente na cidade sabe, mas ele está de férias. Voltaria ao trabalho amanhã. Teve de regressar domingo. De lá para cá, dormiu cinco horas. Filho de uma professora e de um delegado de polícia, ocupou quase todos os cargos da Polícia Civil. Estudou em escola pública e começou a trabalhar aos 15 anos como menor auxiliar do Banco do Brasil. É policial no último nível da carreira.
O delegado tem uma filha que acabou de completar 18 anos, Ana Luiza Arigony. Na quinta-feira, comemorou com ela em casa. Na sexta, Ana Luiza saiu com os amigos para festejar. Foi para a boate Absinto, dos mesmos donos da Kiss. O pai ficou em casa. Ela só chegou de manhã. Na madrugada do domingo, Arigony foi acordado com o toque do seu celular. Era avisado naquele momento sobre o incêndio. Luiza estava dormindo na casa dos avós, pais do delegado. Imediatamente, ligou para lá. Ouviu a voz da filha. Alívio imediato. Mas também ouviu Luiza dizer que Sabrina Mendes, prima dele, havia ido para a boate. “Minha filha e os amigos só não foram para a Kiss porque tinham comemorado muito na noite anterior. Chegaram de manhã. Se ela tivesse resolvido festejar no sábado, iria para a boate.”
Em pé, em seu gabinete, em um prédio antigo do centro de Santa Maria, com várias bandeiras do Rio Grande do Sul, fica com a fala alguns segundos mais lenta ao relatar a história. Sempre responde olhando para o repórter que o pergunta. Mas, ao falar da filha, olhou para cima.
Após se certificar de que Luiza não estava lá, ligou para um amigo, também delegado, para informar o que acabava de saber. “Já fui contando que estava ocorrendo um incêndio. Inicialmente, tive a informação de que havia 20 mortos. Oscar me interrompeu e perguntou: ‘e minhas três filhas?’. Eu não soube responder. Felizmente, elas não estavam lá.”
Desligou o telefone e correu para a Rua dos Andradas, número 1.925. Ao entrar no banheiro da boate, contou 40 corpos amontoados no chão. Ao dobrar, percebeu mais 80. Nos bolsos das vítimas, os chamados desesperados dos pais e amigos. Nunca um toque de celular incomodou tanto. Todos ao mesmo tempo. Sem parar. Por isso que o investigador, que já trabalhou no Departamento de Investigações sobre Crime Organizado (Deic) e no Departamento Estadual de Investigações Sobre Narcóticos (Denarc), ainda não dormiu direito.
Ontem, ao falar da missão, lembrou que, desde domingo, se sentou três vezes com o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Já havia estado com ele outras vezes, mas sempre muito rápido. “Ele me disse que todos esperam um resposta. Eu afirmo que o Rio Grande do Sul vai dar esta resposta sim. Nem que eu precise dar meu sangue. As famílias das vítimas não podem ficar com esse vazio. Atrás deste delegado aqui há um homem e um forte sentimento de respeito por todas as vítimas.”
Nesses três dias de investigação, Arigony tem conversado com o pai, o delegado de polícia aposentado Luiz Antônio Arigony, 69 anos. “Não é para pedir conselhos. Mas falo com ele sobre o assunto”, avisa. Professor de Direito Penal da Universidade de Santa Maria, perdeu alguns alunos na tragédia. Ontem, arrumou um tempo e visitou um dos sobreviventes. Saiu do hospital, passou na boate onde estava ocorrendo uma reconstituição e depois concedeu uma entrevista coletiva às 17h. “Pronto pessoal. Acabou a entrevista. Preciso trabalhar.”