Uma análise feita pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) do Rio Grande do Sul apontou que a fumaça no incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria (a 323km de Porto Alegre), levou apenas de quatro a cinco minutos para encobrir todo o ambiente e produziu uma “zona quente” que ia do teto a um metro do solo. Segundo os engenheiros, isso reduziu a chance de sobrevivência de quem estava no local e apenas quem tivesse tentado fugir rastejando teria boas possibilidades de se salvar. No total, 237 pessoas morreram.
As investigações entraram ontem em sua segunda semana com os fatos praticamente esclarecidos. Segundo o delegado Marcelo Arigony, o desafio agora é construir as provas para embasar o indiciamento dos suspeitos. Quatro pessoas continuam presas – um dos donos está hospitalizado, sob custódia da polícia – e foram ouvidas 72 pessoas. Arigony informou também que a polícia deve realizar amanhã uma nova perícia no local do incêndio, para buscar novas provas. Não está descartado também o pedido de novas ações de busca e apreensão. Na primeira semana de investigação, seis mandados autorizados pela Justiça foram cumpridos pela polícia.
Se acordo os técnicos do Crea-RS, o ar-condicionado da casa noturna pode ter ajudado a espalhar a fumaça preta que intoxicou dezenas de pessoas. A entidade afirma que não havia um sistema de controle de fumaça, como aberturas para dispersá-la. “Os erros foram se acumulando”, diz o engenheiro Luiz Carlos Filho, que coordenou o estudo.
A equipe de engenheiros visitou o local em Santa Maria na quinta-feira. Não teve autorização para recolher amostras e baseou grande parte das informações na análise de documentos. O relatório, feito para ajudar nas investigações policiais, contém uma foto do salão 1 da boate, com instalações quase intactas, incluindo as caixas de som.
O estudo aponta uma série de fatores que colaboraram para a tragédia, como a falta de iluminação no solo, a falha na comunicação entre os funcionários da casa e o posicionamento de obstáculos junto às rotas de fuga. A entidade defende uma revisão nas normas de segurança para incêndio e uma unificação das regras municipais e estaduais, e diz que a “fragmentação” atual delas dificulta o cumprimento e a verificação.
A conclusão da análise do Crea-RS coincide com o depoimento do barman da boate, Erico Paulus Garcia. Segundo ele, em questão de 10 a 15 segundos a boate estava inteira tomada de fumaça. “Corri até a cabine do DJ, onde eu sabia que tinha outro extintor. Pedi o extintor para ele e ele me apontou mostrando a nuvem preta de fumaça e disse que era tóxica. Nessa hora já não tinha mais ninguém na pista”, relatou.
LEI
Em entrevista coletiva na tarde de ontem, as autoridades de segurança do Rio Grande do Sul reafirmaram que um conjunto de erros gerou a tragédia na Boate Kiss. O delegado Marcelo Arigony não deu detalhes sobre o progresso dos trabalhos, apenas ressaltou que a espuma utilizada como vedação acústica na casa noturna era inadequada. “Tudo leva a crer que foi um conjunto de circunstâncias que levaram ao evento trágico. Mas foi a espuma sem retardante (material que dificulta a queima) que gerou a fumaça.” Conforme o delegado, há uma lei municipal em Santa Maria que proíbe que bares e boates utilizem em determinadas partes de suas estruturas materiais inflamáveis. Entretanto, essa legislação está sendo estudada para verificar o que ela abrange mais precisamente. A espuma apontada pelos peritos como um dos pontos fundamentais para a tragédia foi comprada em uma loja de colchões de Santa Maria. Segundo um comerciante, o material era comprado diretamente da fábrica, depois de ser encomendado pelos responsáveis pela obra na casa noturna. Isso comprovaria que a reforma no local foi realizada sem supervisão técnica especializada. (Com agências)
As conclusões
CAUSAS DO INCÊNDIO
Show pirotécnico sem autorização
Revestimento acústico com material não certificado
FATORES QUE COLABORARAM
Falha dos extintores
Falta de controle da fumaça (sem aberturas ou alarmes)
Bloqueio dos indicadores da saída de emergência pela fumaça
Falta de sinalização do piso
Saídas de emergência mal dimensionadas
Grades e obstáculos atrapalhando as rotas de fuga
Funcionários sem treinamento e sem comunicadores
Fonte: Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-RS)