A indignação que se espalhou pelo país depois da morte de 239 jovens em incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), já não é a mesma. A tragédia, que completa um mês na quarta-feira, não mobiliza mais as redes sociais e a opinião pública. O quase silêncio, no entanto, esconde avanços Brasil afora para maior segurança em casas de shows. Até agora, nas principais capitais e cidades do interior pelo menos 500 boates e bares foram interditados por cumprir a legislação de funcionamento. Em Minas foram 150 e no Rio de Janeiro 127 casas proibidas de funcionar até regularização, somente na primeira semana de fiscalização neste mês.
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Defensoria pode acusar município de Santa Maria por tragédia da KissVinte e seis vítimas do incêndio na Boate Kiss ainda estão internadasNegado habeas corpus a proprietário da Kiss Maquete virtual ajudará investigação da tragédia da KissSócios da boate Kiss têm cinco imóveis e R$ 500 mil bloqueadosDelegados dão entrevista coletiva sobre o inquérito da boate Kiss Laudos confirmam mortes por inalação de gases tóxicos na Boate Kiss Polícia pede prisão preventiva de envolvidos em tragédiaGêmeos que escaparam na Kiss celebrarão 19 anos em cultoUm mês após a tragédia de Santa Maria, três pessoas permanecem em UTIAlém do maior rigor no cumprimento das normas, outras iniciativas surgem de norte a sul do país para tornar mais eficiente a atual legislação. Em Manaus (AM), onde o número de interdições chegou a 66, a tentativa é de banir de vez uso de fogos e artifícios em casas noturnas, bares e restaurante. E rápido. O prefeito Artur Virgílio Neto (PSDB) enviou o projeto de lei, para votação em regime de urgência.
Como cabe a uma metrópole das dimensões de São Paulo, a prefeitura lançou uma ferramenta de consulta na internet sobre a situação de segurança dos locais de reunião da cidade. Por ela, o cidadão pode verificar se o estabelecimento que ele pretende visitar passou por verificação de critérios de segurança.
Em Belo Horizonte, onde o Corpo de Bombeiro e a prefeitura municipal interditaram 21 casas noturnas para evitar novas tragédias, a ideia é modernizar a legislação estadual que regulamenta os procedimentos de segurança em boates e danceterias, especialmente em relação à prevenção e combate a incêndio e pânico. A proposta foi apresentada pelos bombeiros durante audiência pública na Câmara Municipal, na semana passada, da qual participaram também representantes da prefeitura. As sugestões serão elaboradas por uma comissão e encaminhadas à Assembleia Legislativa para alteração da Lei Estadual 14.130 e do Decreto 44.746, que regulamentam as normas no estado. As interdições em Minas foram consequência da vistoria em 755 estabelecimentos comerciais.
FRAGILIDADE O convívio com o risco iminente de incêndio e falta de segurança foi escancarado pelo secretário de Defesa Civil do Rio de Janeiro, coronel Sérgio Simões, com base no balanço da fiscalização de casas noturnas até o início deste mês no estado. Depois de fiscalizar 209 estabelecimento, apenas 10 deles, ou seja, 5%, estavam totalmente regularizados. “Acho que isso retrata uma falta de cultura de prevenção, uma falta de cuidado”, afirmou o coronel Sérgio Simões. Segundo ele, em 2012, 439 casas de reunião de público, que englobam restaurantes, teatros, boates e locais com música ao vivo, solicitaram a vistoria do Corpo de Bombeiros para regularização. Desses pedidos, apenas 257 locais foram aprovados e 82 reprovados. No mesmo ano, foram vistoriados 16 mil edificações em todo o estado, o que o próprio coronel considerou insuficiente.
O drama
O incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), na madrugada de 27 de janeiro, deixou ao menos 239 mortos. O fogo teve início durante a apresentação da Banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefato pirotécnico (sinalizador) no palco. Segundo as investigações, a banda comprou um sinalizador proibido para se apresentar na boate.
Um integrante da banda tentou apagar o princípio de incêndio, mas o extintor não funcionou. A polícia afirma que havia mais público do que a capacidade da boate permitia. A boate tinha apenas saída para a rua e, mesmo assim, o acesso era dificultado por divisórias internas.
O alvará fornecido pelos bombeiros estava vencido. Mais de 180 corpos foram retirados somente dos banheiros da Kiss. Equipamentos de gravação do local estavam no conserto.
Processo coletivo
Porto Alegre – A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul anunciou que vai ingressar com ação coletiva por danos morais e materiais contra a Prefeitura de Santa Maria e o próprio Estado pelas mortes na Boate Kiss. Segundo o dirigente do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública estadual, João Carmona Paz, há “fortes indícios” da responsabilidade de entes públicos na tragédia, devido à falta de fiscalização das condições de segurança do estabelecimento. “ Os fatos ainda não estão plenamente esclarecidos. Mas acreditamos que houve participação de agentes públicos e que é necessária uma ação coletiva envolvendo os proprietários da boate e os entes públicos que tinham relação com o funcionamento da casa. Não se trata de uma responsabilização individual, mas institucional”, afirmou o defensor.
Uma reunião hoje definirá a estratégia da Defensoria Pública. A ação coletiva vai buscar a condenação dos responsáveis, no plano civil, com o consequente pagamento de indenização. Obtida a condenação, caberá a cada família buscar a liquidação da sentença na Justiça. Só aí serão calculados os valores a serem pagos. A ação deve ser encaminhada em curto prazo, “em até duas semanas”. Além da ação referente a vítimas e sobreviventes, a defensoria decidiu que moverá processo por dano coletivo à sociedade.