Durante o tiroteio, Alielson Nogueira, de 21 anos, foi atingido por um tiro na nuca e morreu no Campo do Abóbora. O local fica ao lado do contêiner e na direção oposta de onde os criminosos atiraram. Ele não tinha antecedentes criminais, segundo a Polícia Civil. "Somos de São João da Barra (norte do Estado). Meu filho veio para o Rio há cinco anos para trabalhar como catador, leva um tiro e é acusado de ser traficante? Meu filho estava com colegas de trabalho lanchando numa barraca de cachorro-quente. Essa UPP é para proteger ou matar o povo?", afirmou nesta sexta-feira o vendedor de verduras Aliésio Barreto, pai de Alielson. O rapaz morava no Jacarezinho com a namorada de 20 anos, que está grávida.
Ainda em meio ao tiroteio, Ivan Martins dos Santos Filho, de 23 anos, foi atingido por uma bala perdida nas costas. Luis Carlos Gomes, de 13, foi baleado na perna. Os dois foram hospitalizados. Ainda segundo os PMs, teve início, então, uma confusão generalizada na Rua do Rio. Moradores arremessaram paus e pedras contra os policiais, que reagiram com spray de pimenta e armas não letais. O contêiner que serve de base da UPP e três viaturas foram danificados. Dois policiais foram feridos por pedradas. Uma menina de 10 anos foi atingida no rosto por estilhaços de uma bomba de efeito moral.
Enquanto isso, outro grupo de moradores tentou fechar o trânsito na Avenida Dom Hélder Câmara, uma das principais da região, mas foi impedido por PMs do Batalhão de Choque. O policiamento ficou reforçado durante toda a madrugada. Pela manhã, o comércio abriu e moradores transitavam normalmente pelas ruas.
"Vamos ouvir os depoimentos dos feridos e aguardar os laudos da perícia feita no local do crime e nas armas dos policiais para tentar descobrir de onde saíram os tiros que atingiram as vítimas", explicou o delegado Antenor Martins, da 25ª DP.
Confrontos
Confrontos com traficantes, como o que aconteceu no Jacarezinho, e mortes são comuns em outras favelas "pacificadas", como nos Complexos da Penha e do Alemão e na Mangueira, na zona norte, e nos Morros da Coroa, Fallet e Fogueteiro, na região central. De acordo com o doutor em Sociologia e coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio (Uerj), Ignácio Cano, nessas comunidades, o processo de pacificação precisa de ajustes.
"Cada favela tem uma realidade diferente. Há comunidades onde a interação entre a UPP e a população é boa e não há qualquer registro de episódios de violência. Em outras, a relação é meio tensa, mas pacífica. Mas há favelas onde a situação é de confronto aberto. Nessas, a UPP está longe do perfil de polícia comunitária: as coisas são impostas de fora para dentro, sem diálogo com os moradores. Isso depende do perfil do comandante da UPP. Para evitar esse problema, é necessária a institucionalização de um fórum de interlocução permanente com a sociedade nessas comunidades".
Mesmo com as dificuldades, Cano elogia as UPPs. "Mesmo nas favelas que ainda têm casos de violência, o número de homicídios cai. O projeto gerou tal imagem positiva que virou refém do seu sucesso. Qualquer pequeno problema faz com que as pessoas se perguntem se o modelo está em risco. É ilusão achar que vamos zerar todos os crimes nestes locais."
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado afirmou que, em algumas comunidades, "o crime regulava as relações comerciais e sociais há décadas". "Logo, apresentar o Estado de Direito e mudar a cultura da população é um processo longo. Os benefícios da pacificação compensam a médio e longo prazo todas as dificuldades do processo. O valor do direito de ir e vir, dos serviços que passam a ser ofertados pelo Estado e concessionárias e, principalmente, do direito à vida não podem ser mensurados."