Jornal Estado de Minas

"Um espião se infiltrou na minha casa", conta político pernambucano

Roberto Pandolfi revela que militar da Marinha frequentou a casa de sua família disfarçado, durante o regime militar

Diário de Pernambuco


Em uma entrevista marcada pela emoção (em alguns momentos ele chegou a chorar), o atual secretário de Finanças do Recife, Roberto Pandolfi, conta pela primeira vez uma história que sua família manteve em segredo durante 43 anos: um espião da Marinha infiltrou-se na casa deles por cerca de um ano, ganhou a confiança de todos e privou das conversas mais íntimas da família. Só foi embora, coincidentemente, após a prisão no Rio da irmã de Pandolfi, Dulce Chaves Pandolfi, que era ligada à ALN (Ação Libertadora Nacional, fundada por Marighela) e foi uma das presas políticas mais torturadas no regime militar.
A casa da família Pandolfi, no Recife, era um ambiente de encontro de pessoas de esquerda, como o ex-prefeito da cidade Pelópidas da Silveira, cassado pelo golpe militar de 1964. O espião passou cerca de um ano frequentando a residência, dando aulas particulares de matemática para Carlos, irmão de Roberto. Dizia chamar-se “Antônio”, externava opiniões de esquerda e vivia dizendo que tinha um primo perseguido pelo regime que precisava deixar o país – na época a família Pandolfi dizia que Dulce estava exilada no Chile (na verdade ela estava no Rio).

No final de 1970 “Antônio” disse à família que não podia mais continuar com as aulas porque estava terminando o curso de engenharia e iria voltar para sua cidade natal, Belém, do Pará. Mas em 1972, ao ir ao Distrito Naval para aprovação da construção de uma casa, Roberto encontrou o professor – só que agora, em vez das roupas despojadas de universitário, ele estava fardado e “com o peito cheio de estrelas”. Era um oficial da Marinha. “Roberto, o que você tá fazendo aqui?”, perguntou asperamente. Apavorado, Roberto tentou explicar, e antes de terminar foi interrompido por ele: “Isso não é aqui, não!”. Roberto saiu dali apressado e correu para contar ao pai: “Antônio, o professor de Carlinhos, é militar! Antônio, o professor de Carlinhos, é militar!”.

Este é o primeiro caso que se tem notícia de um agente do regime infiltrado numa família. A infiltração era um mecanismo utilizado com sucesso pela repressão, mas sempre direcionada a organizações sindicais, estudantis e de esquerda.