Centenas de familiares e amigos das 242 pessoas mortas na tragédia da boate Kiss foram às ruas de Santa Maria (RS) na tarde desta quinta-feira para contestar a decisão da Justiça que liberou os quatro réus que estavam presos para que respondam ao processo em liberdade. Ao mesmo tempo, em Porto Alegre, dezenas de manifestantes se reuniram no Arco do Expedicionário, no Parque Farroupilha, para demonstrar solidariedade ao grupo que protestava na cidade da região central do Rio Grande do Sul.
Portando cartazes com palavras como "vergonha" e "queremos justiça", além de fotos das vítimas, os participantes dos atos demonstraram revolta e tentaram mostrar que, ao contrário do que os desembargadores afirmaram para liberar os acusados, o clamor popular pela tragédia persiste. No anonimato, um pai mais exaltado chegou a dizer a uma rádio local que pode se tornar mais um delinquente. "Não sei que decisão tomar porque não tenho equilíbrio emocional para cruzar com um cidadão desses aí", revelou, referindo-se à possibilidade de encontrar um dos quatro réus ao acaso.
"Se eles (os desembargadores) achavam que não tinha mais comoção está provado que tem, sim", afirmou o presidente da Associação das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Adherbal Ferreira, reiterando que todos ficaram com a sensação de um segundo velório apenas quatro meses depois de enterrarem seus filhos. Ferreira lembrou ainda que, a pedido de autoridades familiares e amigos mantiveram a calma para evitar que o processo fosse transferido de Santa Maria para outra comarca. Mas, depois da soltura dos presos, revelou que todos estavam se sentindo como se tivessem sofrido um "desaforo da Justiça".
O incêndio ocorreu na madrugada de 27 de janeiro e provocou comoção internacional. Dois sócios da casa noturna - Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann - e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira - Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão - estavam presos temporariamente desde o final daquele mês e responderão a processo por homicídio e tentativa de homicídio com dolo eventual qualificado por fogo, asfixia e motivo torpe.
Na tarde de quarta-feira, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aceitou pedido dos defensores e relaxou a prisão dos quatro por entender que já não se faz presente o clamor público, não há qualquer demonstração de que os acusados venham a interferir no andamento da instrução criminal e não ver risco de que eles venham a fugir do País porque estão com passaportes retidos.
No final da noite de quarta-feira, os quatro deixaram a Penitenciária Estadual de Santa Maria sem informar à imprensa onde passarão os próximos dias. O advogado de Spohr, Jader Marques, confirmou que seu cliente ficará em Porto Alegre por algum tempo. Os advogados dos demais réus não retornaram os telefonemas da reportagem durante a quinta-feira.
A decisão surpreendeu o Ministério Público, que promete esperar a publicação do acórdão para encaminhar novo pedido de prisão dos quatro ao Superior Tribunal de Justiça. Os promotores que trabalham no caso entendem que persiste o clamor popular em Santa Maria e consideram que, mesmo sem passaportes, os réus podem seguir para outros países se utilizando das facilidades existentes para transpor as fronteiras com o Uruguai e a Argentina, distantes menos de 400 quilômetros de Santa Maria.