Nem o crime organizado nem a hipótese de atentados terroristas. São os protestos espontâneos da sociedade que irromperam nas ruas do país em junho que estão na mira da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) como a principal “fonte de ameaça” de incidentes na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que reunirá milhares de jovens católicos de vários países entre os dias 23 e 28, no Rio de Janeiro. O órgão de inteligência do governo federal acendeu o alerta vermelho para as manifestações pela alta probabilidade de protestos atravessarem o caminho dos fiéis.
O painel eletrônico de informações instalado na sala de controle integrado montada pela Abin para coordenar as ações de inteligência em torno do evento indica que a agência dá como certa a ocorrência de manifestações no decorrer da jornada, aproveitando a repercussão gerada pela presença do papa. “Diante das ações dessa fonte percebidas no país nos últimos meses associadas às ações internacionais relacionadas a grandes eventos desse teor, considera-se tendência de manifestação positiva durante o evento”, dizia o painel, ontem (veja ao lado o quadro completo das ameaças). A sala de controle foi aberta à visitação de jornalistas a convite do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), José Elito Siqueira.
A preocupação está focalizada nos chamados “grupos de pressão”, como a agência identifica os manifestantes que atuam sem coordenação ou lideranças. Diferentemente dos “movimentos reivindicatórios”, que, no jargão da Abin, são os protestos organizados por ONGs, sindicatos ou partidos. Os dois itens estavam listados no painel ao lado de outros fatores considerados como “fontes de ameaça”, como incidentes de trânsito, crime organizado, organizações terroristas e, até mesmo, criminalidade comum.
A previsão de manifestações está centrada no Rio de Janeiro. Não foram detectados indícios de que possa haver protestos em Aparecida (SP), onde o papa celebrará missa na basílica da padroeira do país.
José Elito, contudo, considera que eventuais manifestações ao longo da jornada devem ser encaradas com naturalidade. “Claro que vamos olhar, acompanhar, para evitar que aquelas manifestações tenham uma repercussão a ponto de prejudicar um grande evento”, ponderou o ministro. “Mas isso não vai acontecer. Vocês viram que, durante a Copa das Confederações, nós tivemos várias manifestações e, graças às ações dos ministérios diretamente envolvidos e, claro, ao apoio da inteligência, todas as competições tiveram um brilho à altura da Copa”, disse Elito.
Mas, para a antropóloga Alba Zaluar, especialista em segurança pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é a ação da polícia nas manifestações que deve ser considerada como maior fonte de ameaça. Muito mais do que os protestos em si. “As manifestações podem gerar problemas se a polícia continuar agindo de forma descontrolada, sem seguir minimamente um protocolo de atuação nessas circunstâncias”, avalia a especialista. “Eles conhecem o protocolo, têm que seguir o treinamento e não agir no impulso, na raiva. Essa atitude cria um cenário confuso, não se sabe mais onde começa a violência”, diz Alba.
Já o professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília Arthur Trindade vê uma fundamentação política na atenção dispensada pela Abin às manifestações populares durante a Jornada Mundial da Juventude. “A questão, aqui, é saber o que o governo está considerando como ameaça. Certamente, as manifestações serão fonte de constrangimento político. Agora, não tem cabimento considerar que elas vão colocar a integridade dos participantes da jornada ou do papa em risco”, alerta Trindade.