A quatro dias da chegada do papa Francisco para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), os discursos e as iniciativas sobre a segurança do pontífice diante dos protestos ocorridos no Brasil no mês passado se mostram contraditórios. Ontem, 24 horas depois de a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertar sobre a grande possibilidade de manifestações cruzarem o caminho dos fiéis, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que “a principal segurança do papa é o entusiasmo, a tradição de paz e de fraternidade do povo brasileiro”. Mas, ao fim do dia, no momento em que um grupo de jovens provocava grande transtorno nas imediações da residência oficial do governador do Rio, Sérgio Cabral, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, discutia com o próprio governador e com agentes da Guarda do Vaticano alterações no plano de segurança da visita do papa.
No Bairro das Laranjeiras, onde fica a residência oficial de Cabral, cerca de 600 pessoas atearam fogo em bonecos e provocaram grandes engarrafamentos nas ligações do Centro da cidade com a Zona Sul. Não houve confrontos com a polícia. Mais cedo, moradores da Favela da Rocinha, a maior do Rio, protestaram contra o desaparecimento de um morador durante uma operação da polícia pacificadora.
Cardozo informou que as mudanças no esquema de segurança para a jornada serão anunciadas hoje, após ouvir sugestões feitas por agentes da Gendarmeria, a Guarda do Vaticano. “Tudo o que diz respeito ao papa foi discutido. Obviamente, nós estamos fazendo adaptações, ouvindo as sugestões do Vaticano, eles ouvindo as nossas, fazendo tudo para que nós tenhamos um plano de segurança que seja exitoso”, declarou o ministro da Justiça.
Mas a reunião à tarde, que contou também com o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, e com o ministro da Defesa, Celso Amorim, foi ao encontro do alerta da Abin. “A agência mostra as possibilidades justamente para os órgãos policiais se prepararem”, comentou o antropólogo, especialista em segurança pública e ex-comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Paulo Roberto Storani. “Pelo histórico do Brasil, a questão central não são os danos físicos que podem ocorrer com o papa. Não acho que, se houver protestos, tentarão atacar o pontífice. Mas é preciso garantir paz ao redor dele. O problema é que, nessas manifestações, as pessoas podem se aproveitar para chamar atenção ao movimento, praticar atos de vandalismo. Qualquer coisa que acontecer com o papa pode mostrar a vulnerável estrutura do país e a incapacidade do governo em garantir segurança ao pontífice”, opina Storani.
Agenda mantida
Mesmo com o alerta da Abin, o Vaticano garante que a agenda do papa não será mudada e continua afirmando que não está preocupado com protestos de rua. O percurso do pontífice inclui encontros diretos com grandes públicos na Praia de Copacabana, na missa em Guaratiba (Zona Oeste) e na comunidade de Varginha — uma das favelas do Complexo de Manguinhos, na zona portuária. Oito integrantes da Gendarmeria estiveram ontem na Varginha e percorreram os locais em que o papa estará, como a capela da comunidade e o campo de futebol. Na cidade, em deslocamentos longos, o pontífice deve usar um carro fechado, mas, em trechos curtos, deve optar pelo Papamóvel sem vidros blindados. A Força Aérea Brasileira vai usar dois drones – pequenos aparelhos não tripulados – para monitorar as áreas por onde o para vai passar. (Colaboraram Karla Correia e Étore Medeiros)
Convocações na rede
No que depender dos manifestantes cariocas, as ruas do Rio de Janeiro não serão tomadas apenas pelos peregrinos da Jornada Mundial da Juventude. Pelo menos quatro grandes atos estão sendo convocados pelas redes sociais, para os quais quase 10 mil pessoas já confirmaram presença: Ato na recepção do papa no Palácio Guanabara (3,7 mil), Papafolia (2,2 mil), Grande ato papa, veja como somos tratados (1,1 mil) e a Marcha da vadias (2,8 mil) – este, um movimento internacional, sem ligação direta com a visita do pontífice, mas com pautas que batem de frente com alguns dogmas cristãos, como a legalização do aborto e a união homoafetiva.