Jornal Estado de Minas

Jornada é cenário para expor estilo dos pontífices

Peregrinação religiosa dirigida aos jovens tem se revelado mais do que um impulso missionário

Agência Estado

- Foto: REUTERS/Max Rossi

Numa Igreja com 1,2 bilhão de fiéis, ou 17,5% da população no planeta, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) se firmou como um momento forte de evangelização, no curso de uma trajetória particular. Tão particular que há dúvidas sobre sua numeração.

 Há quem diga que ocorre no Rio a 28.ª Jornada. Outros preferem cravar que é a 13.ª. No missal contendo as liturgias que Francisco seguirá por aqui faz-se menção ao quinto encontro. O fato é que esse megaevento, uma peregrinação religiosa dirigida aos jovens do mundo, tem se revelado mais do que um impulso missionário. É cenário de exposição da personalidade e do estilo dos pontífices.

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 Adotando-se o ano de 1987 como ponto de partida da “jornada das Jornadas”, quando João Paulo II foi saudado por 1,5 milhão de fiéis na cidade de Buenos Aires - no que seria o primeiro grande encontro internacional -, chega-se a 13 peregrinações, contagem mais comumente aceita.

 

No entanto, o processo vem de antes. João Paulo II, que esteve à frente do Encontro Internacional da Juventude em 1984, no Vaticano, no ano seguinte instituiu a JMJ, coincidindo com o Ano Internacional da Juventude da ONU, e, em 1986, conduziu outro encontro, em âmbito diocesano, em Roma. Ou seja, anos antes de a jornada argentina ser realizada, o papa polonês já lidava com o projeto de falar de perto ao jovem e pedir sua presença num mundo em transformação. Acreditava piamente nessa energia humana, a partir de sua experiência pessoal - na mocidade, foi devotado aos esportes, ao teatro, à contestação e ao totalitarismo.

 A antevisão da falência do comunismo esteve nas alocuções de João Paulo II numa Buenos Aires fria e chuvosa, em abril de 1987. Chamou a América Latina de “continente da esperança”. Exortou a juventude ao compromisso de “construir a sociedade do Terceiro Milênio”. Em agosto de 1989, na jornada de Santiago de Compostela, Espanha, meses antes da queda do Muro de Berlim, insistiu na ideia: “Peregrinos, o que procuram? (...) Somos os jovens do Mundo Novo”. Dois anos mais tarde, levou a JMJ ao Leste Europeu. Em Czestochowa, na sua Polônia natal, afirmou que “o espírito não envelhece” e fez uma recomendação aos jovens: “Sejam exigentes com o mundo que os rodeia. Não se conformem à mediocridade”. Era o “papa pop”, que atrairia mais de 4 milhões de fiéis na jornada de Manila, Filipinas, em 1995, a primeira em continente asiático.

 Na última jornada de seu papado, em Toronto, no Canadá, viu-se um João Paulo II curvado, com saúde abalada. Corria o ano de 2002. Diante de 800 mil jovens, fez uma espécie de despedida: “Vós sois jovens e o papa é idoso. Todavia continua a se identificar com as vossas esperanças e as vossas aspirações. Juventude de espírito!”.

 Bento

 Seu sucessor, Bento XVI, já se apresentaria em 2005 diante dos peregrinos em Colônia, Alemanha natal do novo papa. Embora no vácuo do carisma do polonês, estudiosos da Igreja são quase unânimes ao afirmar que o papa, teólogo de formação sólida, soube levar adiante a proposta das jornadas (Sydney em 2008, Madri em 2011). “Tinha clareza ao falar aos jovens e construiu uma imagem paternal entre eles”, avalia o teólogo Fernando Altemeyer.

 E agora, o que acontecerá a Francisco? É a pergunta corrente na Igreja. A julgar pelos gestos e maneira como vem lidando com as multidões da Praça São Pedro, tem-se como certo que o argentino Jorge Mario Bergoglio dispõe de todos os atributos para eletrizar as massas no Rio e em Aparecida. “Em termos de estilo pessoal, pode-se dizer que João Paulo II era mais carismático, Bento XVI mais cerebral, porém Francisco é mais visceral”, diz Valeriano dos Santos Costa, sacerdote e especialista em Liturgia, lembrando que Roma tem ficado intransitável às quartas-feiras, quando o papa encontra os fiéis. “Vivi anos naquela cidade e nunca vi algo igual.”

 A segurança tem se desdobrado para proteger o pontífice que cada vez mais para em rodinhas para conversar com visitantes do Vaticano, usando tratamento e frases tão informais quanto a maneira familiar com que se refere ao papa emérito Bento XVI - “el viejo” .

 Pregar no mais evangélico Estado brasileiro constitui outro desafio ao líder que pretende abrir a Igreja ao ecumenismo - já se encontrou com o papa da Igreja Ortodoxa e acaba de rezar pelos “mortos que ninguém chora” em Lampedusa, referindo-se aos náufragos (maioria de fé muçulmana) que tentam entrar na Europa por essa ilha do Mediterrâneo. Certamente vai acentuar no Rio a carga simbólica da JMJ, que João Paulo II tratou de construir ao legar aos jovens a Cruz Peregrina, em 1984, e o ícone de Nossa Senhora, em 1993 - “contemplem a Mãe!”.

 Esses prognósticos levam a outra situação dada como certa: a Jornada servirá para deslanchar o pontificado de Francisco. Observadores chamam a atenção para o fato de que o papa estará diante de 11 mil padres (são 450 mil no mundo), cerca de 1,5 mil bispos, o que equivale a um terço do episcopado global, e vai se encontrar com 60 cardeais, quase a metade do colégio na ativa. São números expressivos, colhidos em diferentes patamares da instituição. Agora terá a oportunidade de se apresentar como o líder em ação.