Numa instituição com 2 mil anos de tradição, quatro meses é pouco tempo para se fazer qualquer mudança. Mas duas ações do papa entronizado em março já sinalizam para onde vão Francisco e a igreja: a canonização de João XXIII e o processo de limpeza no Banco do Vaticano.
No âmbito teológico, a canonização do papa João XXIII é o principal indicativo do rumo a ser tomado. Recentemente, Francisco dispensou a exigência do segundo milagre para que o “papa bom” - aquele que convocou o Concílio Vaticano 2º e cujo processo estava havia 50 anos engavetado -, se tornasse santo. “Isso diz muito. Mostra que tipo de santidade interessa a Francisco. E, pelo jeito, ele quer foco naqueles aficionados pelos pobres”, diz Afonso Soares, do Departamento de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
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Como consequência do Vaticano 2º, nos anos 1960, a Igreja substituiu o latim pelas línguas nacionais nas celebrações e fez os padres rezarem a missa voltados para o povo. Afirmou-se ainda o compromisso do cristão com a justiça social.
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“A próxima mudança deve ser a reforma da Cúria, prevista para outubro. E, se Francisco mantiver a cadência dos passos já dados, não fará apenas uma troca de nomes. Vai descentralizar e tirar este poder excessivo preso na mão de meia dúzia de cardeais”, prevê o frei e professor Clodovis Boff. Ele diz que, nos últimos pontificados, os bispos eram subestimados. “Eles reclamavam de serem tratados como coroinhas pela Cúria. E, teologicamente, quem tem o poder espiritual são os bispos, não os burocratas.”
Souza acredita que, com Francisco, crescerá a participação dos bispos na experiência pastoral das igrejas locais. “As conferências devem ter um protagonismo na nomeação de bispos de sua região, que elas conhecem melhor do que ninguém.”
Mudanças
A abertura para a experiência e a voz dos bispos pode fazer com que a Igreja se torne mais sensível à realidade dos povos. E assim, algumas questões disciplinares poderão ser revistas. No topo da lista, está o celibato obrigatório. Com a carência de sacerdotes, esse é um ponto que poderá mudar.
A indissolubilidade do matrimônio não deve ser alterada, mas a tendência é que a Igreja facilite a anulação das primeiras núpcias. As expressões “até que a morte os separe” e “o que Deus uniu não o separe o homem” continuarão válidas, mas admite-se que há casos em que o casamento não foi uma decisão tomada sob a bênção divina, que permitiria a anulação.
Já nas questões morais, quem espera uma flexibilização em relação ao casamento gay e à legalização do aborto, vai se decepcionar, avalia Boff. “Como arcebispo de Buenos Aires ele já se posicionava contrário ao casamento gay. Não vai mudar. Mas ser contra não significa não acolher. Isso ele faz muito bem.”