Na visita à carente comunidade de Varginha, que integra o Complexo de Manguinhos, no Rio de Janeiro, o papa Francisco adotou o discurso mais político desde que pisou em solo brasileiro. No palanque improvisado dentro de um campo de futebol de várzea, o pontífice pediu aos jovens empenho no combate à corrupção; criticou políticos que fazem por eles próprios ao invés de visar o bem comum; chamou de intolerável a desigualdade social e econômica e reconheceu o esforço brasileiro no combate à fome. Depois de uma caminhada nas ruas estreitas da comunidade – que já foi conhecida como Faixa de Gaza, em razão da violência –, o papainiciou sua fala aos moradores de forma descontraída e conquistou os peregrinos ao elogiar a solidariedade entre os brasileiros.
“Sei bem que quando alguém que precisa comer bate a sua porta, vocês sempre dão um jeito de compartilhar a comida: como diz o ditado, sempre se pode colocar mais água no feijão, disse o religioso, que, logo na chegada, recebeu de uma freira um colar havaiano com as cores do Brasil. Com o estilo já característico, que gera empatia e proximidade com os interlocutores, o papa afirmou que seu desejo era visitar cada bairro do Brasil. “Queria bater a cada porta, dizer bom dia, pedir um copo de água fresca, beber um cafezinho, não cachaça, falar como os amigos de casa, ouvir o coração de cada um, dos pais, dos filhos, dos avós. Mas o Brasil é tão grande… Não é possível bater em todas as portas.”
Ferida Mais tarde, durante encontro com 20 mil fiéis argentinos na Catedral Metropolitana do Rio – outros 30 mil estavam em pé, sob chuva, nos arredores do edifício –, o papa cortou na pele da própria Igreja. "Eu quero agito nas dioceses, que vocês saiam às ruas. Eu quero que a Igreja vá para as ruas, eu quero que nós nos defendamos de toda acomodação, imobilidade, clericalismo. Se a Igreja não sai às ruas, se converte em uma organização não governamental (ONG). A Igreja não pode ser uma ONG”, conclamou. Em seguida, alfinetou os sacerdotes: “Eu peço desculpas aos bispos e aos padres se isso pode gerar uma confusãozinha para vocês também”.
Depois de sacudir as dioceses, ele garantiu ao fiéis que a Igreja é uma companheira na defesa dos pobres e no combate à desigualdade social. “Queria dizer-lhes também que a Igreja, ‘advogada da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas, que clamam ao céu’ (Documento de Aparecida, 395), deseja oferecer a sua colaboração em todas as iniciativas que signifiquem um autêntico desenvolvimento do homem todo e de todo o homem”, afirmou.
Pilares As autoridades brasileiras também foram chamadas à responsabilidade, quando o papa defendeu o direito de todos à educação integral, saúde de qualidade e segurança. “Quero encorajar os esforços que a sociedade brasileira tem feito para integrar todas as partes do seu corpo, incluindo as mais sofridas e necessitadas, através do combate à fome e à miséria. Nenhum esforço de pacificação será duradouro. Não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na periferia parte de si mesma”, disse. Para o pontífice, a promoção do bem comum tem pilares fundamentais: família, educação, saúde e segurança.
O papa teve ontem o dia mais agitado desde que chegou ao Brasil. Seus compromissos tiveram início, logo cedo, às 9h, com uma visita ao Palácio da Cidade, onde recebeu das mãos do prefeito Eduardo Paes (PMDB) a chave da capital fluminense. Às 10h, ele já estava na comunidade de Varginha. Seu último compromisso foi no início da noite, quando participou da festa de acolhida promovida pelos organizadores da 28ª Jornada Mundial da Juventude.