O papa Francisco pôs o dedo na ferida aberta no Brasil desde os protestos de junho e mandou recados ontem tanto aos políticos quanto aos manifestantes, em dois discursos durante o dia. No primeiro, no Theatro Municipal, ele recomendou o diálogo, a um público formado por centenas de representantes de entidades civis. E o Santo Padre foi mais longe. Cobrou dos políticos uma nova forma de atuação, que priorize a busca da igualdade social e afaste o elitismo. Com a serenidade de sempre, ele lembrou da responsabilidade social: “Esta exige um certo tipo de paradigma cultural e, consequentemente, de política. Somos responsáveis pela formação de novas gerações, capacitadas na economia e na política e firmes nos valores éticos. O futuro exige de nós uma visão humanista da economia e uma política que realize cada vez mais e melhor a participação das pessoas, evitando elitismos e erradicando a pobreza.”
O pontífice lembrou que “os gritos por justiça continuam ainda hoje” e insistiu que só conhece uma forma de aprimoramento da democracia, que é por meio do diálogo. Nesse momento, fez sutil referência às manifestações que tomaram conta do país desde a Copa das Confederações. “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce quando dialoga de modo construtivo”, ensinou.
O pontífice ainda apelou a bispos, sacerdotes e religiosos para que deixem suas paróquias e ganhem as periferias para pregar e levar a mensagem da Igreja. "Não podemos ficar fechados na paróquia, nas nossas comunidades, enquanto há tanta gente esperando o evangelho", disse. "Não se trata simplesmente de abrir a porta para acolher. Mas de sair pela porta, procurar e encontrar", alertou Francisco.
Mais tarde, durante a vigília que levou mais de 3 milhões de pessoas à Praia de Copacabana, ele manteve o tom político e incentivou os jovens a se manifestarem, mas ressaltou: “De forma ordenada, pacífica e responsonsável, motivados pelos valores do evangelho”. Aos fiéis, ele ainda pediu que ajudem a reconstruir a Igreja. “Queridos amigos, não se esqueçam, vocês são o campo da fé. Vocês são os atletas de Cristo. Vocês são os construtores de uma Igreja mais bonita e de um mundo melhor”.
Aplauso A mesma devoção mostrada pelos fiéis que foram a Copacabana, provocou aplausos na plateia a que o papa se dirigiu pela manhã, que reunia representantes dos povos indígenas, de organização não governamentais (ONGs), artistas, políticos, diplomatas e integrantes de diferentes crenças religiosas, entre elas, o candomblé. As boas-vindas a ele, nessa cerimônia, foram apresentadas pelo professor de história Walmyr Junior, de 28 anos, voluntário da Jornada Mundial da Juventude. Morador do Complexo do Alemão e órfão desde a infância, ele confessou ter feito uso de drogas e se emocionou com o abraço do papa.
O abraço recebido por Júnior foi apenas um dos vários ofertados pelo pontífice, no Theatro Municipal. Ele abraçou também índios pataxós de Coroa Vermelha,distrito de Porto Seguro (BA), onde foi realizada a primeira missa no Brasil. Sem cerimônia, o Santo Padre usou um cocar, presente oferecido pelo índio Ubiraí, que explicou: “O cocar é um amuleto de proteção que faz a ligação do espírito com a terra. E não há pessoa melhor para receber o cocar que o papa.” Francisco também distribuiu presentes. Ele entregou ao babalaô Ivani dos Santos duas medalhas, num feito inédito, já que foi a primeira vez que um papa recebeu um representante do candomblé.