A espanhola Amaia Foces, que tem especialidade em medicina da família, está no Brasil há seis meses, mas já trabalhou 12 anos na Inglaterra e quatro anos na Espanha. Ela concorda que deve haver uma prova para os médicos estrangeiros exercerem a profissão aqui, mas não considera o modelo adotado o mais adequado.
“Eu acredito que seja melhor a avalização individual do médico, de onde o médico vem, do diploma, do histórico da carreira universitária. Porque a prova não reflete o que eu sei de conhecimentos médicos. É muita coisa da legislação do Brasil, que não tem que a ver com a medicina, que temos que saber, mas que há outras coisas que não refletem a prática médica”.
Ela disse que se inscreveu no Programa Mais Médicos para trabalhar no município de Itaguaí, na região metropolitana do Rio, mas houve problemas com a inscrição porque já estava no Brasil. Quanto à polêmica com a vinda de médicos estrangeiros sem passarem pelo Revalida, Amaia diz que não vê conflito de interesse na questão.
“A polêmica não tem razão nenhuma, o Brasil precisa de muitos médicos, infelizmente. Eu andei conversando com médicos brasileiros, muitos deles não têm intenção de trabalhar nessas áreas tão pobres, tão rurais, então acredito que não tem nenhum conflito de interesse com os médicos do Brasil e dos estrangeiros, os médicos estrangeiros fazem falta”.
A boliviana Daniela Iriarte, está no Brasil há três anos, complementando a formação que teve em seus país com a residência médica. Para ela, a prova pela manhã não foi difícil, mas muito longa. “A prova foi complicada e muito demorada, cansativa”. Ela diz que não vê diferença na formação dos médicos brasileiros e estrangeiros. “Em absoluto, acho que não, a formação não é diferente”.
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A brasileira Thedra Saucha, formada em Cuba, rebate as críticas que os brasileiros com diploma de fora têm recebido, afirmando que no Brasil faltam oportunidades para quem sonha em ajudar a população. “A maioria dos nossos companheiros vai estudar em Cuba pela dificuldade de cursar medicina aqui no Brasil, não é falta de capacidade e sim de oportunidade. É justamente isso que falta para a maioria de nós, que vem de um ensino público péssimo, não têm dinheiro para pagar um cursinho preparatório para o vestibular de medicina, que é muito concorrido, então a gente têm que recorrer a isso, porque a gente não pode abrir mão do nosso sonho”.
Para ela, o salário oferecido pelo Programa Mais Médicos, e recusado por muitos profissionais brasileiros, é mais do que o suficiente. “Até porque nós estamos sempre baseados em ajudar, não precisariamos de R$ 10 mil para atender o nosso povo, atenderiamos por muito menos. Mas é tão grande a política que fazem em cima da gente, contra a gente, que não permitem nem ao povo ver que existimos”.
Thedra lembra que, apesar das dificuldades enfrentadas pelo país caribenho, Cuba tem uma das melhores medicinas do mundo. “Cuba incomoda porque é uma ilha que não produz praticamente nada, é um país embargado economicamente e mesmo assim consegue ser melhor do que o Brasil em muitos aspectos, então isso dói. É só a gente pegar os índices da OMS, analisar o índice de mortalidade infantil, de mortalidade materna de Cuba, tem resultados muito melhores do que o Brasil. Cuba já exportou para o mundo, em questão de medicina, muito mais do que o Brasil. Cuba inventou o medicamento contra um tipo de vitiligo, a vacina pentavelente, medicamento contra o pé diabético, o projeto médico da família é cubano, copiado pela Noruega, Canadá”, lembra a médica.
Em São Paulo, mais de 400 médicos fizeram as provas
A maioria dos 1.772 inscritos no país para o Exame escolheu a cidade de São Paulo para submeter-se aos testes. No total são 424 candidatos ou 23,93% do número de brasileiros e estrangeiros que concorreram hoje (24) ao direito de ter o diploma obtido fora do país reconhecido no Brasil para o exercício legal da profissão.
Segundo o Inep, responsável pelo exame, que é feito desde 2011, não houve o registro de nenhum incidente ou atrasos envolvendo os inscritos na capital paulista, onde as provas ocorrem em unidade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A exemplo das demais localidades onde ocorre o Revalida, além de São Paulo: Brasília, Rio Branco, Manaus, Salvador, Fortaleza, Campo Grande, Curitiba, Rio de Janeiro e Porto Alegre, os médicos que fazem as provas em São Paulo cumpriram a primeira etapa, de testes de múltipla escolha, de manhã e, à tarde, entre questões dissertativas.
Ao finalizar a primeira parte da prova, muitos médicos consideraram as questões muito longas e exaustivas. “É bem extensa e cansativa, mas foi acessível”, avaliou Janaína da Silva, brasileira, de 31 anos, que acabou de completar seus estudos em Cuba, onde o ensino é gratuito. Ela elogiou a qualidade do curso de medicina cubano. “O curso é ótimo. A gente já tem contato com os pacientes no terceiro ano e acesso o tempo todo com os professores”.
Janaína contou que foi estudar naquele país porque obteve uma bolsa de estudo por meio de uma Organização Não Governamental (ONG), a Articulação de Mulheres Negras de São Paulo. “Eu queria fazer medicina, mas no meu país isso é impossível para quem tem um nível econômico baixo. Lá, todo o ensino é público, e eu pude realizar um sonho”, disse.
Questionada sobre o Programa Mais Médico, do Ministério da Saúde, a médica recém-formada defendeu tratar-se de “um bom programa e que deve visar o atendimento no interior em que as cidades são menos abastecidas .
Já a venezuelana Gabriela Fuenmayor, de 30 anos, formada há seis anos em seu país, compareceu para o exame pela segunda vez. Ela é pediatra na Venezuela e faz residência em cardiopediatria no Hospital do Coração, com o registro profissional provisório. No conceito dela, a exigência de conhecimentos específicos envolveu dificuldade média. Comparando, no entanto, com o exame do ano passado, a venezuelana disse que este” foi mais fácil”.
Além de buscar aprimoramento no Brasil, ela demonstrou ter interesse em trabalhar, mas não em regiões distantes dos grandes centros médicos e tem preferência por São Paulo. Quanto ao Programa Mais Médico, defendeu que antes de submeter-se a ele, todos os participantes deveriam fazer o Revalida para comprovar que “se vai trabalhar com igual nível dos formados aqui .
Também da Venezuela, e igualmente fazendo as provas pela segunda vez , Simon Echeto, de 31 anos, formado há sete, avaliou ter cumprido com tranquilidade as exigências de conhecimento da primeira parte das provas. Ele faz residência médica no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e acha natural que os médicos formados no exterior tenham que fazer o Revalida.
Para Simon, é injusto que essa prova seja dispensada aos inscritos no Programa Mais Médicos. “Eu acho que eles deveriam fazer também porque o brasileiro tem o direito à qualidade dos médicos que vêm trabalhar”.
Entre os inscritos, Calor Roberto da Silva, de 44 anos, formado na Bolívia no ano passado, lamentou não poder participar do Programa Mais Médico. Podem se inscrever apenas aqueles oriundos de países com distribuição de profissionais acima da mensurada no Brasil que é de 1,8 mil médicos por mil habitantes.
Ele estudou na Bolívia pelo fato de o curso lá ser mais barato. “Mas agora, aqui, sou considerado um falso médico”, observou. A mesma queixa foi feita por sua colega de sala de aula, Cibelle Vieira, de 34 anos. “É revoltante que a gente não possa participar”, desabafou.
A segunda fase do Revalida, que avalia as habilidades clínicas, será feita em outubro.