Jornal Estado de Minas

Pesquisa indica que 53 mil crianças e adolescentes fumam crack nas capitais

Pesquisa indica que 53 mil crianças e adolescentes fumam a droga nas capitais, com consequências trágicas: afastamento da família, da escola, dos amigos e risco de morte

Paula Sarapu Valquiria Lopes
O adolescente M. tem só 15 anos e já foi engolido pelo vício do crack. Ele largou a família, saiu da escola, se afastou dos amigos de infância e trocou as brincadeiras em Sarzedo, na região metropolitana, pela dependência, que o faz perambular pelas ruas do Bairro Lagoinha, em Belo Horizonte. O olhar está distante e assustado e o corpo, franzino. O isqueiro que carrega denuncia o caminho de pedras por onde ele anda. M. não está sozinho, vive o drama de uma epidemia que continua se espalhando por todos os lados. Ontem, o governo federal divulgou a maior pesquisa exclusiva sobre consumo de crack já feita no país. A estimativa é de que 53 mil das 382 mil pessoas que fumam a pedra regularmente nas capitais são crianças e adolescentes, 14% do total.
Treze mil menores estão no Sudeste, segundo o trabalho da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ligada ao Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça. Os dados por capital não foram divulgados, mas levantamento feito pelo EM na única comunidade terapêutica credenciada para o tratamento de menores em Minas mostra que o atendimento dobrou em dois anos. Este ano, dos 48 menores internados na Casa do Adolescente, em Contagem, 30 usavam crack.

Com exceção da maconha, haveria 1,35 milhão de usuários de drogas. Esta parte da pesquisa foi feita com 25 mil pessoas visitadas em domicílios no ano passado. O levantamento considerou uso regular de drogas o consumo em pelo menos em 25 dias nos seis meses anteriores à entrevista, conforme definição da Organização Panamericana de Saúde.

Segundo a pesquisa, 40% dos usuários estão no Nordeste, e 80% dos entrevistadas que admitiram fumar a pedra são homens. Este mesmo percentual é aplicado aos não brancos e a quem usa em local público. O eletricista Eduardo Nonato, de 40 anos, conta que chega a passar dois dias fora de casa, fumando muitas pedras por dia na Lagoinha. “Tentei parar muitas vezes, mas o vício é mais forte. Por causa do crack, perdi minha mulher e muitos bens”, lamenta

A pesquisa mostrou que a escolaridade dos usuários é baixa, 40% vivem nas ruas e dependentes do crack têm oito vezes mais HIV. A droga é presença alta e constante não só nas capitais. Pâmela Lorena dos Santos começou a fumar a pedra há cinco anos, quando morava em Governador Valadares. Diz ter sido expulsa de casa e hoje vive no passeio da Avenida Antônio Carlos. “Já roubei e trafiquei para conseguir crack, mas fui presa e fiquei mais na minha. Hoje consigo no papo”, conta ela, que largou a escola aos 14. De acordo com os dados, 65% fazem “bicos” para sobreviver e 55% estudaram da 4ª à 8ª série do ensino fundamental.

TRATAMENTO Em Minas, um indicativo do avanço da pedras entre menores são as estatísticas da Casa do Adolescente, a única comunidade terapêutica que recebe menores entre 12 e 17 anos: em 2011, 14 dos 70 internados eram dependentes de crack; em 2012, 20 dos 70 adolescentes atendidos fumavam; e este ano, até o ontem, já são 30 entre os 48 internados para tratamento.

“É um aumento gritante e perigoso. Esse adolescente normalmente chega com histórico de evasão escolar e defasagem grande de aprendizado, além da falta de presença da família, embora tenha vínculo familiar. São poucos os que vivem situação de rua”, descreve o coordenador da comunidade terapêutica Giovani Alexandre da Silva.

Para o presidente do Centro de Referência Estadual em Álcool e Drogas (Cread - SOS Drogas), Amauri Costa Inácio da Silva, o fácil acesso à droga é um dos maiores problemas. O número de pessoas buscando tratamento aumentou na entidade. A pesquisa da Fiocruz confirma: 80% dos usuários querem se tratar. Amauri destaca, porém, que a maior preocupação é com o adolescente. “Eles são curiosos e desafiadores. Acham que podem experimentar sem se viciar”, avalia. “No passado, precisava-se ir à boca de fumo para conseguir droga, mas hoje o consumo está exposto.

Em BH, segundo o membro da Coordenação Colegiada de Saúde Mental do SUS-BH Paulo César Machado Pereira, os menores abordados nos quatro consultórios de rua em atuação inalam drogas como tíner. “As nossas crianças não têm hábito de crack”, diz.

GRAVIDEZ E PROSTITUIÇÃO


Embora apenas 20% dos usuários sejam do sexo feminino, a pesquisa da Fiocruz alerta para a situação de risco para mulheres. E 30% já apelaram ao sexo para manter o vício e 10% disseram estar grávidas. Quase a metade já havia engravidado ao menos uma vez desde que passou a fumar crack (46,6%).

Os números indicam que o tempo médio e a frequência de uso da droga são maiores entre homens, mas mais intenso entre mulheres. Entre as entrevistadas, a média de consumo é de 21 pedras por dia, enquanto os homens admitem usar 13 pedras de crack.
Marta Pereira de Souza, de 30, tem seis filhos e acha que está grávida de novo. Ela é viciada desde os 18 e conta que se prostitui para conseguir a droga. “Já fui para motel várias vezes para fumar com os caras e ganhar dinheiro”, afirma, garantindo que usa preservativo. “Só não admito criança fumando perto de mim: não empresto isqueiro nem dou cigarro. As mães começam a fumar e abandonam os filhos e esses meninos são casos de desprezo e da falta de diálogo.”

Quase 40% dos usuários de crack informaram não usar preservativos e 44,5% das mulheres disseram ter sofrido violência sexual. “O principal da pesquisa é a caracterização desse usuário. O fato de existir 370 mil pessoas vulneráveis e com riscos à saúde, entre elas 50 mil menores com vínculos fragilizados com escola e família, é muito preocupante”, alerta o secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Vitore Maximiano. “A pesquisa mostra que muitas mulheres sofrem violência sexual, não usam preservativos e não têm cuidados com gestação por causa da droga”, completa.