Com exceção da maconha, haveria 1,35 milhão de usuários de drogas. Esta parte da pesquisa foi feita com 25 mil pessoas visitadas em domicílios no ano passado. O levantamento considerou uso regular de drogas o consumo em pelo menos em 25 dias nos seis meses anteriores à entrevista, conforme definição da Organização Panamericana de Saúde.
Segundo a pesquisa, 40% dos usuários estão no Nordeste, e 80% dos entrevistadas que admitiram fumar a pedra são homens. Este mesmo percentual é aplicado aos não brancos e a quem usa em local público. O eletricista Eduardo Nonato, de 40 anos, conta que chega a passar dois dias fora de casa, fumando muitas pedras por dia na Lagoinha. “Tentei parar muitas vezes, mas o vício é mais forte. Por causa do crack, perdi minha mulher e muitos bens”, lamenta
A pesquisa mostrou que a escolaridade dos usuários é baixa, 40% vivem nas ruas e dependentes do crack têm oito vezes mais HIV. A droga é presença alta e constante não só nas capitais. Pâmela Lorena dos Santos começou a fumar a pedra há cinco anos, quando morava em Governador Valadares. Diz ter sido expulsa de casa e hoje vive no passeio da Avenida Antônio Carlos. “Já roubei e trafiquei para conseguir crack, mas fui presa e fiquei mais na minha. Hoje consigo no papo”, conta ela, que largou a escola aos 14. De acordo com os dados, 65% fazem “bicos” para sobreviver e 55% estudaram da 4ª à 8ª série do ensino fundamental.
TRATAMENTO Em Minas, um indicativo do avanço da pedras entre menores são as estatísticas da Casa do Adolescente, a única comunidade terapêutica que recebe menores entre 12 e 17 anos: em 2011, 14 dos 70 internados eram dependentes de crack; em 2012, 20 dos 70 adolescentes atendidos fumavam; e este ano, até o ontem, já são 30 entre os 48 internados para tratamento.
“É um aumento gritante e perigoso. Esse adolescente normalmente chega com histórico de evasão escolar e defasagem grande de aprendizado, além da falta de presença da família, embora tenha vínculo familiar. São poucos os que vivem situação de rua”, descreve o coordenador da comunidade terapêutica Giovani Alexandre da Silva.
Para o presidente do Centro de Referência Estadual em Álcool e Drogas (Cread - SOS Drogas), Amauri Costa Inácio da Silva, o fácil acesso à droga é um dos maiores problemas. O número de pessoas buscando tratamento aumentou na entidade. A pesquisa da Fiocruz confirma: 80% dos usuários querem se tratar. Amauri destaca, porém, que a maior preocupação é com o adolescente. “Eles são curiosos e desafiadores. Acham que podem experimentar sem se viciar”, avalia. “No passado, precisava-se ir à boca de fumo para conseguir droga, mas hoje o consumo está exposto.
Em BH, segundo o membro da Coordenação Colegiada de Saúde Mental do SUS-BH Paulo César Machado Pereira, os menores abordados nos quatro consultórios de rua em atuação inalam drogas como tíner. “As nossas crianças não têm hábito de crack”, diz.
GRAVIDEZ E PROSTITUIÇÃO
Embora apenas 20% dos usuários sejam do sexo feminino, a pesquisa da Fiocruz alerta para a situação de risco para mulheres. E 30% já apelaram ao sexo para manter o vício e 10% disseram estar grávidas. Quase a metade já havia engravidado ao menos uma vez desde que passou a fumar crack (46,6%).
Os números indicam que o tempo médio e a frequência de uso da droga são maiores entre homens, mas mais intenso entre mulheres. Entre as entrevistadas, a média de consumo é de 21 pedras por dia, enquanto os homens admitem usar 13 pedras de crack.
Marta Pereira de Souza, de 30, tem seis filhos e acha que está grávida de novo. Ela é viciada desde os 18 e conta que se prostitui para conseguir a droga. “Já fui para motel várias vezes para fumar com os caras e ganhar dinheiro”, afirma, garantindo que usa preservativo. “Só não admito criança fumando perto de mim: não empresto isqueiro nem dou cigarro. As mães começam a fumar e abandonam os filhos e esses meninos são casos de desprezo e da falta de diálogo.”
Quase 40% dos usuários de crack informaram não usar preservativos e 44,5% das mulheres disseram ter sofrido violência sexual. “O principal da pesquisa é a caracterização desse usuário. O fato de existir 370 mil pessoas vulneráveis e com riscos à saúde, entre elas 50 mil menores com vínculos fragilizados com escola e família, é muito preocupante”, alerta o secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Vitore Maximiano. “A pesquisa mostra que muitas mulheres sofrem violência sexual, não usam preservativos e não têm cuidados com gestação por causa da droga”, completa.