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Estado de Minas CADÊ O MIRACI

Mãe espera reencontrar filho raptado pelo Exército durante guerrilha do Araguaia

Garoto de 1 ano foi levado de casa por militares durante a guerrilha do Araguaia em 1972, e nunca mais foi visto. A mãe ainda chora e sonha em encontar o filho roubado


postado em 22/09/2013 06:00 / atualizado em 23/09/2013 13:39

D. Maria mostra a única pista que tem do militar que levou Miraci: o nome e a sigla do 23º Batalhão (foto: Alessandra Mello/EM/D.A Press )
D. Maria mostra a única pista que tem do militar que levou Miraci: o nome e a sigla do 23º Batalhão (foto: Alessandra Mello/EM/D.A Press )
São Geraldo do Araguaia (PA) e Xambioá (TO) – Faltando 10 dias para completar 1 ano de vida, Miraci Bezerra, um menino “bem alvinho, dos olhinhos quase azuis”, foi levado de sua mãe, dona Maria Bezerra de Oliveira, de 83, na época com 42 anos. Desde então nunca mais foi visto. Era 7 de outubro de 1972. Abandonada pelo marido, dona Maria morava sozinha em Santa Cruz, povoado na zona rural de São Geraldo do Araguaia, no Pará, com seus cinco filhos. “Foi no tempo da guerra”, afirma, se referindo à guerrilha do Araguaia, menção ao rio de mesmo nome na divisa dos estados do Pará e Tocantins (na época Goiás), que batizou um dos maiores focos de resistência ao regime militar na Amazônia. Relatos dos moradores e de pesquisadores dão conta de que quatro crianças teriam sido raptadas pelo Exército, duas delas filhos de Maria Bezerra – Miraci e Juracir Bezerra Costa, que completa amanhã 49 anos e foi levado quanto tinha 8 anos. Por conta própria, ele reencontrou a família em 1999. Além de Miraci, outro menino levado pelo Exército continua desaparecido. Mas as lembranças dessas crianças continuam vivas no coração das famílias, que, apesar do tempo, buscam incessantemente um desfecho para essas histórias. De preferência feliz.

É o caso de dona Maria Bezerra, que, mesmo 41 anos depois, ainda tem esperança de encontrar seu “menino”. Ela guarda uma importante pista de seu possível paradeiro: uma folha de caderno, já amarela e quase esfarelando, que carrega com a carteira de identidade. No papel está o nome do sargento que carregou seu bebê, João Lima Filho, e 23-b-c, sigla do 23º Batalhão de Caçadores, nome do quartel onde ele servia em Fortaleza, capital do Ceará. O endereço foi dado pelo próprio sargento e anotado nessa folha por um conhecido, pois dona Maria não sabe ler. “O sargento não era mateiro, era de posto alto”, lembra dona Maria. Segundo ela, Lima Filho trabalhava na base montada pelo Exército, na outra margem do Rio Araguaia, em Xambioá, no Tocantins. “Ele ficava lá com os coronéis e outros bichão (sic) de colarinho branco, que a gente não sabia o que eles eram.” Foi o motorista do sargento Lima quem contou para dona Maria que seu patrão tinha prometido para a filha solteirona, que tinha perdido a mãe recentemente, encontrar no Araguaia um menino para ela criar. Na época o sargento aparentava ter cerca de 50 anos, segundo as lembranças de dona Maria.

Seis anos depois de Miraci ser levado, a família conseguiu juntar dinheiro para comprar a passagem para ir a Fortaleza atrás do menino. A encarregada por dona Maria de buscar Miraci foi a filha mais velha, Maria Edileuza da Silva Rodrigues, 57 anos, hoje formada em pedagogia. Com a ajuda de amigos na capital cearense, Edileuza chegou ao quartel. Não conseguiu passar da guarita da entrada. Depois de esperar do lado de fora foi informada pelo soldado que tomava conta da portaria que o sargento tinha sido transferido para Natal, no Rio Grande do Norte. Sem dinheiro para seguir adiante, voltou, arrasada, para São Geraldo. “Tinha muita esperança de encontrar o ‘pequeninho’”, conta chorando. Para ela, a família foi muito ingênua quando resolveu viajar 1.350km, ainda durante a ditadura militar, com pouco dinheiro no bolso e menos informação ainda sobre o paradeiro do sargento Lima e de Miraci.

Em 2007, ainda esperançosa de rever o filho, dona Maria soube de uma reunião de torturados da guerrilha que aconteceria na Câmara Municipal de São Domingos do Araguaia, cidade a 100km de São Geraldo, e foi para lá. Diante de deputados e representantes do governo, contou sua história em detalhes na esperança de que algum agente do Estado ajudasse a localizar o paradeiro do sargento Lima. Até hoje nada. Um processo de indenização no Ministério da Justiça foi aberto em janeiro de 2010 em nome de dona Maria e continua parado no setor de protocolo e diligência. Quatro parágrafos de um livro editado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos sobre a violência sofrida por crianças e adolescentes durante o regime militar são dedicados à história de Maria Bezerra e o sumiço de Miraci. Mas, segundo ela, ninguém nunca foi atrás das pistas que podem levar ao paradeiro dele.

Por meio de sua assessoria de comunicação, o Exército disse que vai tentar confirmar a existência em seus quadros do sargento João Lima. No entanto, é preciso alguns dias, pois o banco de dados não é informatizado e é preciso acionar o setor administrativo da corporação no Ceará.

Saiba mais
A guerrilha


Araguaia é o nome do segundo maior rio do Brasil, que corta os estados do Pará, Tocantins, Goiás e Mato Grosso. Ele também batiza o movimento de resistência ao regime militar que se instalou na região do rio, que marca a divisa entre Tocantins e Pará, conhecida como Bico do Papagaio, entre Xambioá (TO) e São Geraldo do Araguaia (PA). Os guerrilheiros, todos militantes do Partido Comunista, chegaram ao Araguaia em 1967 e passaram a viver embrenhados na mata ao lado de camponeses locais, treinando táticas de guerrilha e prestando serviços para a comunidade. Em 1971, o foco de resistência foi descoberto pelo Exército, que enviou 2,5 mil soldados à região para caçar os militantes. A guerra, como os moradores se referem ao episódio, terminou no início de 1975, quando os últimos líderes do movimento foram mortos.


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