Cerca de 50 pessoas, entre parentes, amigos e membros de organizações não governamentais (ONGs), acompanharam hoje (2), Dia de Finados, a família do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, em uma caminhada até a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), no alto da comunidade da Rocinha, onde fizeram o enterro simbólico de um manequim, que representava Amarildo. No dia 14 de julho, Amarildo foi levado por policiais da UPP para averiguação até a base da unidade e desapareceu. Até agora, 25 policiais militares foram indiciados, acusados de participação na tortura e morte do ajudante de pedreiro.
Segurando máscaras com o rosto do pedreiro e faixas de protesto, os manifestantes exigiam da polícia que entregasse os restos mortais de Amarildo para que pudessem ser enterrados. A mulher do pedreiro, Elizabeth Gomes da Silva, disse estar homenageando o marido no Dia de Finados, embora sem saber o destino que deram ao seu corpo.
“A pior coisa é matarem alguém da sua família e você não ter como enterrar o corpo. Eu gritei desde o começo e estou gritando até agora, porque quero os restos mortais do Amarildo. Porque os policiais estão presos, mas até agora não deram o corpo do meu marido, pelo menos os ossos, para a gente dar um enterro digno”. Elizabeth garantiu que vai continuar lutando até que os restos mortais de Amarildo sejam entregues à família.
O diretor executivo da ONG Rio de Paz, Antonio Carlos Costa, que organizou a caminhada, disse à Agência Brasil que a reivindicação da família de Amarildo é um desejo legítimo. “Nós entendemos que esse caso, a forma como a sociedade, os meios de comunicação, estão lidando com ele, é um divisor de águas na história da segurança pública do Rio de Janeiro”. Ele lembrou que, há 20 anos, a morte de um pobre não causaria tamanhas comoção nem mobilização. “Isto porque um Brasil novo está emergindo. Um Brasil em que não cola mais você tentar desqualificar a vítima na perspectiva de justificar o ato criminoso”.
Costa salientou a importância de se atentar para o fato de que as famílias dos policiais envolvidos também foram destruídas. “Uma política de segurança pública está sendo questionada, porque, por trás disso tudo, há desigualdade social”.
O presidente do Movimento Popular de Favelas e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, William de Oliveira, questionou como o governo fluminense pode dizer que a comunidade está pacificada se ontem seus moradores acordaram com o barulho de rajadas de tiros. “O governo está de maquiagem, fazendo política”, acusou. À Agência Brasil, Oliveira disse estar ali para cobrar do Estado direitos e deveres. “A intenção aqui não é discriminar qualquer policial, mas mostrar a nossa indignação. Saber realmente onde está o corpo do Amarildo e que outras famílias sejam contempladas da mesma forma”.
Oliveira traduziu o sentimento geral dos manifestantes de estarem cansados do que qualificou de “pacificação virtual”. “A pacificação era um sonho, que se tornou pesadelo na vida de muitos moradores, mas não por culpa dos policiais, porque eles servem a um compromisso de governo. Trocam-se vários comandantes, vários delegados, e o problema continua”. Ele sugeriu que, “talvez, tenha que trocar o chefe que está acarretando tudo isso, que é o secretário de Segurança Pública [José Mariano Beltrame], para que novas ideias possam criar novos canais de diálogo”. Oliveira observou que o mesmo problema ocorre em outras comunidades que têm UPPs. “O que nós queremos é diálogo, respeito e mais parceria”.
Gritando frases como “UPP pra quê? Para matar ou para morrer?”, “Au, au, au, cachorrinho do Cabral”, “Ino, ino, ino, cemitério clandestino”, os manifestantes foram dando ao ato uma conotação cada vez mais política, com apoio de partidos, como o PSTU, e centrais sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central Sindical e Popular (Conlutas). A sobrinha de Amarildo, Michelle Lacerda, defendeu o direito de ir e vir dos filhos dos moradores da favela e acusou o governo de Sérgio Cabral, assegurando que as UPPs são “uma política que de segurança não tem nada”.
Três motociclitas da própria UPP escoltaram os participantes da passeata até a base da unidade, onde foram recebidos pela comandante, major Pricilla de Oliveira Azevedo. Ela permitiu que os manifestantes entrassem no local para reverenciar Amarildo, desde que o ato fosse feito de maneira pacífica, o que de fato ocorreu. A major Pricilla não quis falar com a imprensa. De acordo com denúncia feita na ocasião pelo movimento social Favela Não se Cala, mais de 10 mil pessoas morreram nas favelas do Rio de Janeiro na última década.
Apesar do movimento da família, que reclama os restos mortais de Amarildo, ao longo do percurso foram ouvidas várias expressões de insatisfação dos moradores com a passeata e a indefinição do caso do ajudante de pedreiro, que se arrasta há quatro meses.