Os 45 mil moradores de Humaitá, em plena selva amazônica, estão em guerra declarada contra os índios. Nessa cidade a 675 quilômetros ao sul de Manaus, a presença ostensiva de 500 homens do Exército, da Força Nacional e da Polícia Federal na região, desde sábado, 28, tem evitado novas violências, mas não serenou os ânimos. Desde o Natal, quando pelo menos 2 mil pessoas, revoltadas com o desaparecimento de três moradores na reserva, incendiaram a sede da Funai, a Casa de Saúde do Índio, veículos e um grande barco usado para atender a essa população, os indígenas foram banidos da cidade.
O conflito atual expõe um clima de tensão já vivido 125 anos atrás. No final do século 19, a Freguesia de Humaitá era alvo frequente de ataques de índios e os moradores decidiram mudá-la para o local atual. O tempo arrefeceu os ânimos. Até semanas atrás, os 1.446 integrantes das etnias tenharim, parintintin e mura, que habitam a Terra Indígena Tenharim Marmelos, eram presença constante em lojas, restaurantes, praças e locais de diversão de Humaitá. Apareciam de carro ou moto, faziam compras, iam a restaurantes e lanchonetes. Desde os incidentes, em que também os pedágios dos índios na Transamazônica foram queimados, não se vê um índio pelas ruas. Eles estão acuados nas matas da reserva, enquanto um grupo de 140 indígenas permanece asilado no 54º Batalhão de Infantaria de Selva de Humaitá.
No domingo, 29, à tarde, a Justiça Federal, atendendo a pedido do Ministério Público Federal, determinou que “a União e a Funai” adotem “medidas de segurança, no prazo de 24 horas”, para proteger as áreas indígenas. Na prática, as forças de segurança já estão agindo. No comando da 17ª Brigada de Porto Velho, o general Ubiratan Poty diz que “não há um conflito étnico” entre brancos e índios na cidade, mas admite que o desaparecimento das três pessoas “gerou uma reação” que já foi controlada e “tudo tende a voltar ao normal.” A Polícia Federal e a Força Nacional estão rastreando a floresta com helicópteros e cães farejadores em busca dos desaparecidos, sem resultados.
O delegado da PF Alexandre Alves, que dirige as investigações, disse que os trabalhos vão continuar até tudo ser esclarecido. “Além do aparato que temos na área, trabalhamos com o serviço de inteligência.” A população, no entanto, não faz concessões. “Enquanto não houver uma resposta para o que aconteceu lá, é melhor que os índios não apareçam por aqui”, diz o garçom Edemilton Silva Palheta, de 27 anos.
'Seres humanos'
A funcionária pública Marlene Souza conta que muitos índios estão integrados na vida da cidade. “Temos índio aqui que é professor, a gente os respeita como seres humanos, mas como podemos confiar neles depois do que aconteceu? Revoltada, a população é capaz de tudo”, alertou. O almoxarife Edvan Fernandes Fritz, de 29 anos, admite que não gosta dos índios. “Eles vêm à cidade, enchem a cara, fazem baderna e fica por isso. Agora que o povo reagiu, eles pegaram o peco (fugiram)”, disse. “Índio é protegido pelo governo que nem bicho, então tem de ficar no mato, não tem que viver em dois mundos, no nosso e no deles.” Segundo Fritz, o desaparecimento dos três amigos foi o estopim. “O cacique deles caiu da moto porque era um pé inchado (bêbado).”
Para o madeireiro Elias Trepak, de 60 anos, a cobrança de pedágio pelos índios, na Transamazônica, está na raiz do problema. “Temos dois Brasis: um, esse em que a gente vive; o outro, um Brasilzinho que o governo reservou para os índios.” Segundo ele, há mais de seis anos os índios controlam a Transamazônica nos 140 quilômetros da reserva e não se faz nada.
As marcas da revolta ainda estão espalhadas pela cidade. Da sede da Funai e da Casa de Saúde do Índio só ficaram escombros. A dona de casa Wilma Oliveira da Paixão, de 24 anos, viu quando a multidão chegou, tombou e incendiou uma viatura e começou a depredar o prédio. “Logo alguém jogou uma bola de fogo, aí começaram a incendiar tudo.” A carcaça da viatura continua na rua e o barco afundou no Rio Madeira, após o incêndio.
Solução
A assessoria do prefeito de Humaitá, José Cidinei Lobo do Nascimento (PMDB), acredita que o conflito só acaba com o esclarecimento da morte do cacique Ivan Tenharim e do desaparecimento dos três civis.
Procurado, o cacique Ivanildo Tenharim, que acompanha os índios no Batalhão do Exército, disse que não estava em condições de falar com a imprensa. Um índio que está escondido na casa de uma amiga, na cidade, e que se identificou como Damasceno, disse que os indígenas na reserva estão sem energia e passam privações. Segundo ele, a receita do pedágio é fonte de recursos para as famílias indígenas, que não podem explorar a floresta e recebem do governo federal um auxílio insuficiente.
O conflito atual expõe um clima de tensão já vivido 125 anos atrás. No final do século 19, a Freguesia de Humaitá era alvo frequente de ataques de índios e os moradores decidiram mudá-la para o local atual. O tempo arrefeceu os ânimos. Até semanas atrás, os 1.446 integrantes das etnias tenharim, parintintin e mura, que habitam a Terra Indígena Tenharim Marmelos, eram presença constante em lojas, restaurantes, praças e locais de diversão de Humaitá. Apareciam de carro ou moto, faziam compras, iam a restaurantes e lanchonetes. Desde os incidentes, em que também os pedágios dos índios na Transamazônica foram queimados, não se vê um índio pelas ruas. Eles estão acuados nas matas da reserva, enquanto um grupo de 140 indígenas permanece asilado no 54º Batalhão de Infantaria de Selva de Humaitá.
No domingo, 29, à tarde, a Justiça Federal, atendendo a pedido do Ministério Público Federal, determinou que “a União e a Funai” adotem “medidas de segurança, no prazo de 24 horas”, para proteger as áreas indígenas. Na prática, as forças de segurança já estão agindo. No comando da 17ª Brigada de Porto Velho, o general Ubiratan Poty diz que “não há um conflito étnico” entre brancos e índios na cidade, mas admite que o desaparecimento das três pessoas “gerou uma reação” que já foi controlada e “tudo tende a voltar ao normal.” A Polícia Federal e a Força Nacional estão rastreando a floresta com helicópteros e cães farejadores em busca dos desaparecidos, sem resultados.
O delegado da PF Alexandre Alves, que dirige as investigações, disse que os trabalhos vão continuar até tudo ser esclarecido. “Além do aparato que temos na área, trabalhamos com o serviço de inteligência.” A população, no entanto, não faz concessões. “Enquanto não houver uma resposta para o que aconteceu lá, é melhor que os índios não apareçam por aqui”, diz o garçom Edemilton Silva Palheta, de 27 anos.
'Seres humanos'
A funcionária pública Marlene Souza conta que muitos índios estão integrados na vida da cidade. “Temos índio aqui que é professor, a gente os respeita como seres humanos, mas como podemos confiar neles depois do que aconteceu? Revoltada, a população é capaz de tudo”, alertou. O almoxarife Edvan Fernandes Fritz, de 29 anos, admite que não gosta dos índios. “Eles vêm à cidade, enchem a cara, fazem baderna e fica por isso. Agora que o povo reagiu, eles pegaram o peco (fugiram)”, disse. “Índio é protegido pelo governo que nem bicho, então tem de ficar no mato, não tem que viver em dois mundos, no nosso e no deles.” Segundo Fritz, o desaparecimento dos três amigos foi o estopim. “O cacique deles caiu da moto porque era um pé inchado (bêbado).”
Para o madeireiro Elias Trepak, de 60 anos, a cobrança de pedágio pelos índios, na Transamazônica, está na raiz do problema. “Temos dois Brasis: um, esse em que a gente vive; o outro, um Brasilzinho que o governo reservou para os índios.” Segundo ele, há mais de seis anos os índios controlam a Transamazônica nos 140 quilômetros da reserva e não se faz nada.
As marcas da revolta ainda estão espalhadas pela cidade. Da sede da Funai e da Casa de Saúde do Índio só ficaram escombros. A dona de casa Wilma Oliveira da Paixão, de 24 anos, viu quando a multidão chegou, tombou e incendiou uma viatura e começou a depredar o prédio. “Logo alguém jogou uma bola de fogo, aí começaram a incendiar tudo.” A carcaça da viatura continua na rua e o barco afundou no Rio Madeira, após o incêndio.
Solução
A assessoria do prefeito de Humaitá, José Cidinei Lobo do Nascimento (PMDB), acredita que o conflito só acaba com o esclarecimento da morte do cacique Ivan Tenharim e do desaparecimento dos três civis.
Procurado, o cacique Ivanildo Tenharim, que acompanha os índios no Batalhão do Exército, disse que não estava em condições de falar com a imprensa. Um índio que está escondido na casa de uma amiga, na cidade, e que se identificou como Damasceno, disse que os indígenas na reserva estão sem energia e passam privações. Segundo ele, a receita do pedágio é fonte de recursos para as famílias indígenas, que não podem explorar a floresta e recebem do governo federal um auxílio insuficiente.