Já a lavadeira Maria Aparecida Mota, de 60 anos, acordou com uma onda invadindo o quarto e levantando a cama. "Gritei para as minhas filhas, vamos pra fora." Ela se lembra que saiu com água quase no pescoço e viu o sobrinho Fernando ser atingido no peito por um tronco como um aríete. Ele puxava o pai, Diocleciano, e a irmã Valquiria, pelos braços para fora da correnteza quando foi atingido. "O pau deu no peito e ele afundou, mas conseguiu se recuperar, só que não alcançou mais os dois." O corpo de Valquíria era velado nesta terça na Câmara Municipal, mas o de Dió, como a família chamava o pai, ainda não tinha sido achado. "Fernando foi medicado, mas está como se tive morrido também", conta a mulher.
Na tragédia de Itaoca, não houve tempo para velório coletivo. Os corpos eram velados e enterrados à medida que iam sendo achados entre os montes de entulhos deixados pela torrente. No cemitério municipal, as covas eram abertas na terra e recebiam uma plaquinha em papel sulfite só com o primeiro nome do falecido. O coveiro Maurício Rosa Rodrigues, de 56 anos, ganhou o reforço de dois ajudantes. "Em 20 anos, nunca vi tanta morte junta", contou. "Já têm sete sepultados. Ali enterrei a mulher e a filha, Silvana, junto com a mãe. A cova vazia é para o marido dela que ainda não foi achado."
O agricultor João de Souza, de 40 anos, ganhou o respeito dos vizinhos depois que salvou a vida do aposentado João Dias da Rosa, de 87 anos, que é paralítico, e da irmã dele, Santina Dias da Rosa, de 61. O idoso estava no sofá quando a água invadiu. A mulher tentou correr, caiu e foi arrastada. "Já me contava como morta, quando ele nos levou pelos fundos." Na casa vizinha, Miriam de Almeida Gonçalves, de 44 anos, se abraçou às filhas Giovana, de 11, e Graziele, de 5, enquanto a água jorrava pela janela. "O fogão rodou, o armário caiu e entramos em desespero. Sorte que a força da água abriu a porta da cozinha e nos empurrou para fora."
Na cidade, o ambiente era de guerra. Caminhões, viaturas dos bombeiros, carros oficiais e veículos trazendo alimentos, água e roupas se juntavam num estranho congestionamento no que sobrou das ruas entre montes de galhos que lembravam desfiladeiros. Às 17h30, havia 56 bombeiros de Apiaí, Sorocaba e Capão Bonito em busca de pessoas ilhadas e de corpos, com a ajuda de cães farejadores e um helicóptero. O sargento Agnaldo Ferreira, de Sorocaba, contou ter retirado de barco um idoso de 95 anos que tinha mal de Alzheimer. Uma criança com febre também foi resgatada - duas pontes sobre o Palmital caíram e deixaram muita gente ilhada.
Havia ainda mais de trezentos desalojados e vinte desabrigados. A Defesa Civil contabilizava 19 casas destruídas, número que deveria crescer. As buscas por corpos se concentravam no bairro Guarda Mão, onde uma família inteira, com seis pessoas, estava desaparecida. De acordo com o coronel Marco Aurélio Alves Pinto, comandante da força-tarefa, além das buscas e resgates, já se iniciava o trabalho de reconstrução dos serviços públicos afetadas. A energia tinha sido restabelecida em 80% da cidade - mais de três quilômetros de rede, incluindo postes, caíram -, e o serviço de água voltava ao normal. Máquinas da prefeitura, Departamento de Estradas de Rodagem (DER), empresas e outras prefeituras da região ajudavam a remover os entulhos.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB), que voltou à cidade na manhã desta terça-feira - já havia estado no dia anterior -, anunciou a reconstrução das duas pontes destruídas e a construção de 90 casas para as famílias que perderam imóveis, além de um benefício social de R$ 300 durante seis meses e R$ 1 mil por família para a compra de materiais de construção. A triagem será feita pela prefeitura, com apoio de órgãos do governo. A esperança é de que, em uma semana, a cidade de 3.219 habitantes comece a voltar ao normal.