Jornal Estado de Minas

Brasil reacende discussão sobre a legalização das drogas

Enquanto nações como Uruguai e EUA atualizam suas leis sobre consumo ou cultivo de drogas, Brasil registra tímidos avanços. Entidades defendem mudanças rápidas para reduzir crimes

Alessandra Mello
O governo do Uruguai sancionou no fim do ano passado a lei que legaliza o uso da maconha no país - Foto: Andres Stapff/Reuters
A regulamentação do uso medicinal e recreativo da maconha no Uruguai e nos estados americanos do Colorado e Washington e os debates sobre legalização do consumo no México, Argentina, Peru, Colômbia, Equador e Guatemala reacenderam a discussão sobre a política de drogas adotada no Brasil. Não existe no Congresso Nacional nenhuma proposta para legalizar o consumo. A maioria dos projetos em tramitação pretende tornar mais rigorosa a legislação atual e até mesmo criminalizar e internar compulsoriamente o usuário. Caso do projeto de lei em tramitação no Senado, já aprovado pela Câmara, o PLC 37/2013, que altera o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS).

Mas há quem defenda a legalização geral das drogas e a regulamentação da produção e do consumo como única maneira de combater a escalada do uso e a violência gerada em torno dela. Criada no Brasil em 2010, a Agentes da Lei contra a Proibição (Leap, na sigla em inglês), é o braço brasileiro de uma organização internacional criada para dar voz a policiais, juízes, promotores e integrantes do sistema penal que entendem que a guerra às drogas é uma batalha perdida e que causa mais mortes e violência do que sua liberação.

“Depois de tantos anos de proibição e guerra às drogas, os resultados são violência, mortes, prisões superlotadas, desigualdade, racismo, corrupção, aumento dos riscos e danos à saúde e nenhuma redução na disponibilidade das substâncias proibidas. Ao contrário, elas ficaram mais baratas, mais potentes, mais diversificadas e mais acessíveis do que eram antes de ser proibidas e de seus produtores, comerciantes e consumidores serem combatidos como inimigos”, afirma a desembargadora aposentada do Rio de Janeiro Maria Lúcia Karam, integrante da Leap Brasil.

Para ela, a guerra contra as drogas tem resultado pior que o uso. “É infinitamente maior o número de pessoas que morrem por causa dessa guerra do que pelo consumo das próprias drogas.” Ela faz questão de destacar que a Leap não incentiva o uso de drogas e reconhece os danos e sofrimentos que o abuso de drogas, lícitas ou ilícitas, pode causar. Maria Lúcia defende a adoção de uma política que reduza os efeitos nocivos das drogas e não que agregue a eles violência. “Precisamos pôr fim à fracassada proibição e à sua nociva e sanguinária guerra. Precisamos legalizar e consequentemente regular a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas.”

Ela considera a legislação em vigor, aprovada em 2006, “uma sistemática violação de princípios garantidores de direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos humanos e na Constituição”. Segundo Maria Lúcia, a legislação é injusta e viola o princípio da isonomia ao permitir drogas, como o álcool e o cigarro, e manter outras na ilegalidade.

CONTRÁRIO Para o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), o presidente do Uruguai, José Mujica, é um “irresponsável” e a liberação da maconha para uso medicinal já adotada por alguns países é uma hipocrisia. “O uso medicinal é desculpa para legalizar o uso geral”, afirma. Segundo ele, a regulamentação do consumo de drogas só vai multiplicar o número de pessoas doentes, “pois quanto maior a oferta maior o consumo”. De acordo com o deputado, a violência hoje no Brasil tem como principal causa o uso e o tráfico de drogas.

O deputado afirma que  o debate sobre a legalização não passa de onda midiática e que isso não é o desejo da população brasileira. “Os países que conseguiram acabar com o tráfico são os que endureceram a legislação.” Como exemplo, cita a Suécia, que, ao contrário da tendência europeia de descriminalização, penaliza o consumo com até três anos de prisão.

Segundo ele, só a partir da adoção de legislação mais rigorosa é que alguns países conseguiram derrubar drasticamente o uso de entorpecentes entre a população. O deputado afirma que os estados norte-americanos passaram na década de 1980 por uma epidemia do consumo de crack, problema só debelado com a criação de leis mais rígidas.

TRÊS PERGUNTAS PARA


Ilona Szabó de Carvalho - coordenadora do Secretariado da Comissão Global de Políticas sobre Drogas da ONU e cofundadora da Rede Pense Livre

A Rede Pense Livre defende a legalização da maconha no Brasil?

A rede não defende a legalização do consumo de drogas. Embora a questão da regulação da maconha seja discutida e as experiências do Uruguai e de estados americanos sejam apoiadas pela rede, nossa agenda de mudanças é composta por passos que apontam os caminhos a seguir no curto prazo para sair da inércia que ronda a política de drogas no Brasil. Entre eles a retirada do consumo de drogas da esfera criminal, ou seja, descriminalizar o uso de todas elas, e investir em prevenção e em uma abordagem de saúde pública para usuários problemáticos. Defende a regulamentação do uso medicinal e o autocultivo para consumo pessoal, o investimento em programas para a juventude em risco, incluindo a reintegração socioeconômica de adolescentes e jovens do sistema socioeducativo e prisional condenados por envolvimento no comércio de drogas ilícitas, penas alternativas para réus primários não violentos e pesquisas médicas e científicas com todas as drogas ilegais para desenvolver programas de redução de danos e tratamento.

As leis sobre comércio e consumo em países como o Uruguai e os EUA podem influenciar mudanças na legislação brasileira?
A discussão sobre a regulação da maconha já ocorre em muitos países. O Brasil está atrasado nesse debate e corre o risco de ficar para trás, insistindo em velhos erros. No momento, o grande paradoxo é que a proibição, na verdade, é muito mais permissiva do que a regulação. Hoje, quem quiser comprar drogas o faz sem nenhuma regra, restrição de idade ou controle de qualidade. O debate sobre o tema já avança na sociedade brasileira e intelectuais, formadores de opinião, organizações da sociedade civil, médicos, entre outros segmentos, defendem mudança que vai desde a descriminalização do porte para o consumo de todas as drogas até a regulação da maconha.

Qual sua análise a respeito da legislação sobre drogas no país?
Apenas um muito hesitante progresso foi feito no Brasil para explorar abordagens alternativas para a política de drogas. Em 2006, foi promulgada a Lei 11.343/06, que proíbe penas de prisão para usuários de drogas, prescrevendo penas alternativas que se aplicam aos acusados de cultivo para uso pessoal. Mesmo assim, tanto o cultivo e uso continuam a ser definidos como crimes. Ela também aumentou a pena mínima para o tráfico de drogas, resultando em mais pressão sobre um já sobrecarregado sistema penal. A lei não especifica as quantidades de drogas que podem ser usadas para diferenciar usuários de traficantes, deixando que essa distinção seja decidida pelos juízes com base em critérios gerais. Como resultado, essa legislação, inicialmente concebida como progressista, acabou representando um retrocesso.

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