Durante o velório da auxiliar de serviços gerais Cláudia Ferreira da Silva, nesta segunda-feira (17), no Cemitério de Irajá, na zona norte do Rio, o marido dela informou que pretende processar o Estado e negou que ela tenha sido morta em troca de tiros, como justificou a polícia. Alexandre Fernandes da Silva disse que a esposa foi atingida quando saiu para comprar pão. Ela foi baleada no domingo (16), em operação da Polícia Militar (PM) no Morro da Congonha, em Madureira, zona norte do Rio, e teve o corpo arrastado durante o socorro prestado em uma viatura policial, chegando morta ao hospital, segundo a Secretaria Estadual da Saúde.
“Chegaram atirando nela. De frente para ela. Não foi troca de tiro. Eles deram um tiro nela, no peito e outro no pescoço. Eles passaram no meio do tumulto, viram alguma coisa e chegaram atirando", revelou Alexandre, acrescentando que a mulher saiu de casa para comprar pão e mortadela e tinha na mão apenas três notas de R$ 2 e um copo de café. "Vivemos à mercê dos fora da lei e da polícia, que deveria nos proteger. A polícia entra [na comunidade] e não quer saber quem é trabalhador”, completou.
Revoltado pela mulher ter sido classificada no boletim de ocorrência policial como traficante, o marido apontava a quantidade de colegas presentes no velório trazendo solidariedade à família. “Está chegando mais um ônibus da Nova Rio [empresa em que a esposa trabalhava] para a traficante, que saía todo dia 5h30 da manhã quando pegava [o serviço] às 7h. Depois saía às 4h20, quando passou a pegar às 6h. A traficante que eles botaram quatro revólveres em cima e arrastaram que nem um bicho”, contou.
Alexandre disse que, se a polícia tivesse deixado Cláudia no local para esperar o trabalho da perícia, a revolta seria menor. Ele não viu o vídeo em que o corpo da mulher aparece sendo arrastado pelo carro da PM. “Eu prefiro não ver e vou pedir os meus filhos para não ver, porque vai ser revoltante”, explicou.
A cunhada da vítima, Valéria Rodrigues, disse que toda a família está sofrendo, e defendeu a apuração do que ocorreu. “Uma coisa muito triste que fizeram com ela, e a gente tem que correr atrás e pedir justiça para provar que ela era trabalhadora, com carteira assinada e contracheque, tudo direitinho”, contou.
Os colegas de trabalho também estavam indignados. “Ela é mãe de família e trabalhava com a gente. Eles botaram ela dentro do carro dizendo que era bandida. A gente não tem nem palavra [para explicar como era Cláudia]. Muito maneira, maneira mesmo. A gente tem que botar o caso para frente e ajudar a família dela”, disse a auxiliar de serviços gerais Lúcia Helena Sacramento. Outro colega, Rodney Conceição de Oliveira, criticou a polícia. “Eu trabalhava diretamente com ela. Revolta [a todos] porque a polícia está para proteger as pessoas e acontece isso”, desabafou.
Após o enterro, moradores do Morro da Congonha voltaram protestar na principal via do bairro, interrompendo as duas pistas da Avenida Edgard Romero portando uma faixa preta e pedindo justiça pela morte da auxiliar de serviços gerais. Com pouco mais de meia hora, uma das vias foi liberada e um reboque retirou a carcaça de um ônibus incendiado em manifestação que os moradores fizeram ontem.
Duas horas depois, a polícia interditou o trânsito nas duas pistas. Em outro acesso do Morro da Congonha, os manifestantes atearam fogo a pedaços de madeira e lixeiras. A fumaça pôde ser vista à distância. Moradores da localidade querem a apuração do caso que provocou a prisão dos três policiais militares que conduziam a mulher e a abertura de um inquérito policial militar.