Relatório inédito da Comissão Nacional da Verdade, a ser apresentado hoje em São Paulo, aponta a existência de pelo menos seis centros clandestinos onde ocorreram tortura e morte de opositores do regime militar e que atuaram de forma integrada ao aparato de repressão montado pelo Estado, por meio das Forças Armadas. O estudo contradiz versão de que os agentes agiam de forma autônoma nesses locais.
O novo relatório vem a público uma semana após as Forças Armadas anunciarem que vão investigar práticas de tortura e morte em instalações militares oficialmente usadas em interrogatórios e prisões políticas.
Segundo a Comissão da Verdade, agentes da repressão levavam para os centros clandestinos militantes de esquerda já marcados para morrer ou que os militares tentavam transformar em agentes infiltrados, os chamados "cachorros". A comissão tem informações detalhadas sobre seis desses centros e pesquisa outros três.
Na audiência pública de hoje, a historiadora Heloísa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e assessora da Comissão Nacional, deve apresentar quadros detalhados das estruturas de comando militar, indicando como os oficiais que operavam os centros clandestinos estavam diretamente ligados a seus superiores e ao sistema central de informações. A preocupação é mostrar que eles não operavam de maneira isolada ou à revelia.
No caso do Exército estão sendo investigados seis centros de tortura, três dos quais em São Paulo, que funcionaram entre 1969 e 1977 e faziam parte da estrutura controlada pelo Centro de Informações do Exército (CIE), vinculado ao gabinete do ministro do Exército.
O primeiro foi o chamado Sítio. Segundo informações de agentes do Departamento de Operações de Informações (DOI) do 2.º Exército, lá foram executados dois militantes do Movimento de Libertação Popular (Molipo) - Ayrton Adalberto Mortati e Antonio Benetazzo - e dois da Ação Libertadora Nacional (ALN), Antonio Carlos Bicalho Lana e Sonia Maria de Moraes Angel Jones.
Em 1974, depois que a Casa da Morte de Petrópolis foi fechada, os militares passaram a usar outros dois centros em São Paulo. Um deles, a Boate, funcionava em uma casa em Itapevi, na região metropolitana. O apelido vinha do fato de o local ter abrigado a Boate Querosene.
Ali foram torturados e mortos seis integrantes do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A exemplo de Petrópolis, os corpos foram retalhados, amarrados em blocos de cimento e jogados em um rio, na região de Avaré. As informações sobre a Boate foram reveladas pelo ex-sargento Marival Chaves, que trabalhou no DOI, e confirmadas por outros dois agentes.
Sangue
"Vi muito sangue da esquerda correr", disse o ex-sargento, que fazia relatórios com o conteúdo dos interrogatórios dos presos mantidos clandestinamente em Itapevi. Foi ali que os militares conseguiram um de seus maiores trunfos contra o PCB: transformar um militante no agente infiltrado Vinícius, que atuou entre 1974 e 1982.
O Exército também usou as instalações de uma chácara em Araçariguama (SP). Ali teriam sido mortos José Montenegro de Lima e Orlando da Silva Rosa Bonfim Junior, filiados ao PCB.
Entre os poucos sobreviventes aparecem Aristeu Nogueira e Renato de Oliveira Mota. Após terem sido torturados em centros clandestinos, eles foram levados para a sede do DOI, que ficava na zona sul da capital, apontada como um dos maiores centros de tortura do País, onde morreram ao menos 51 pessoas.