Em meio ao vaivém de pequenos barcos e de navios estrangeiros, meninas miseráveis trocam os brinquedos e uniformes escolares por roupas sensuais e se exibem no cais. Vendem o corpo a turistas ou a estivadores e negociam a inocência por algum trocado. Das violações de direitos da criança registradas diariamente nos portos brasileiros, a exploração sexual é a mais cruel e uma das mais recorrentes. Com a proximidade da Copa do Mundo e o aumento do fluxo de visitantes, entidades de defesa da infância fazem um triste prognóstico: a incidência de casos de abuso de meninos e meninas em áreas portuárias tende a crescer sem controle.
O Estado de Minas publica desde ontem a série Cais do abandono, que mostra as principais violências contra crianças em terminais fluviais e marítimos. Não existem estatísticas de violações de direitos da criança nos portos, mas os dados dão uma amostra de como a infância é desrespeitada no país. No ano passado, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República recebeu 124 mil denúncias e 26% dos casos eram situações de violência sexual contra meninos e meninas – o equivalente a 32,2 mil casos de abuso e exploração.
Apesar da gravidade do problema, o repasse de recursos federais para o programa de ações integradas de enfrentamento ao abuso, tráfico e exploração sexual de crianças (Pair) no país está em queda. Em 2011, segundo informações do site Transparência Brasil, o governo destinou R$ 4,8 milhões para essa rubrica. No ano seguinte, o valor caiu à metade: R$ 2,4 milhões. Em 2013, foi registrado quase o mesmo percentual de queda e os investimentos chegaram a R$ 1,3 milhão.
Recentemente, Fortaleza estampou as páginas de um jornal britânico como a “capital brasileira da exploração sexual”. A rede de abusos contra meninos e meninas é famosa. A organização tem aliciadores, taxistas, cafetões e termina no elo mais frágil da corrente: crianças e adolescentes que se submetem a relações sexuais com homens mais velhos. A pobreza, as drogas e a falta de estrutura familiar criam o ambiente favorável à exploração.
GRAVIDEZ Em uma tarde de sábado, Maria*, de 14 anos, tomava banho de mar com dois turistas, em área próxima ao Porto de Mucuripe. Os homens aparentavam ter o triplo da idade da garota, mas isso não foi impedimento para uma proposta sexual. Maria não aceitou. Três meses atrás, ela engravidou. Não sabe o nome, a nacionalidade nem se lembra do rosto do homem que será o pai do bebê. Sabe apenas que a criança é fruto de uma relação sexual em troca de dinheiro para droga. “Às vezes, eles dão R$ 10, em outros casos dão até R$ 100.”
Quem vê Maria no vaivém do balanço ou da gangorra, no parquinho da orla da Avenida Beira Mar, não imagina que, em breve, ela se tornará mãe. “A rua é boa por causa da liberdade. Já pensei em estudar, mas não é para mim não”, afirma a menina. “Minha mãe mora na rua, eu moro na rua, por que ele (o bebê) também não pode? Abrigo é que não é lugar de gente”, desabafa a garota.
Maria é acompanhada de perto por educadores da Rede Aquarela, projeto mantido pela Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos de Fortaleza. Liduína Soares, de 43, é educadora há seis anos. “Todos os dias, encontramos meninos e meninas que se vendem por muito pouco, por não terem opção.”
A Avenida Beira Mar é foco de exploração e fica a poucos metros do Porto do Mucuripe, onde turistas desembarcarão para os jogos do Mundial.
Os nomes de jovens usados na série são fictícios, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente