Jornal Estado de Minas

Obras da Copa deixam famílias desabrigadas próximas a portos marítimos

O presidente russo Vladimir Putin acusou na terça-feira o governo ucraniano de instigar uma "guerra civil" na região, durante uma conversa com a chefe de Governo da Alemanha, Angela Merkel

Leilane Menezes Helena Mader

Raquel Lima, foi separada da filha quando ficou desabrigada ao ter que deixar a casa no Alto da Paz - Foto: Monique Renne/CB/D. A Press

 

Uma casa com vista para o mar não é sinônimo de tranquilidade para mais de 2 mil famílias cearenses. Comunidades de baixa renda instalaram-se na região do Porto do Mucuripe e agora enfrentam o medo e as consequências de remoções em massa. Parte das famílias construiu as moradias de forma irregular. Os imóveis tornaram-se o empecilho do governo do Ceará para a reforma dos arredores do porto. As obras foram contempladas pelo pacote de recursos destinados à Copa do Mundo. Só o terminal marítimo consumiu R$ 202 milhões, alocados para a expansão da estrutura.

Outra obra que causa impacto na cidade é a construção do veículo leve sobre trilhos (VLT). Existem cerca de 20 bairros instalados na linha pela qual o VLT passará. A maioria foi removida, sob protestos e denúncias de uso de violência.

A manhã em que máquinas da prefeitura demoliram os barracos das 400 famílias, no Bairro Alto da Paz, é lembrada como “o dia do desespero”. A comunidade ergueu-se em cima de uma duna, com vista para o Porto do Mucuripe. Nesse terreno, será construído um conjunto habitacional, destinado a pessoas de baixa renda, com 1.472 moradias para a população das comunidades de duas outras áreas irregulares, Titanzinho e Servluz, com promessa de saneamento básico, água, sistema viário e iluminação.

Desde 20 de fevereiro, quem vivia no Alto da Paz está desabrigado. “Construí a minha casa com restos de ferro, pedaços de máquinas de lavar e de fogão. Consegui, com muito custo, forrar o teto com as telhas. Quando o trator chegou, eu pedi meia hora para tirar as telhas. O motorista disse que não tinha tempo a perder e botou tudo ao chão. Foi o pior dia da minha vida”, relata Raquel Lima, de 34 anos, auxiliar de serviços gerais. Ela conseguiu salvar apenas roupas e uma boneca da filha, que tem 9 anos.

Depois da derrubada, Raquel procurou abrigo na casa de amigos, no bairro vizinho, conhecido como Servluz. Não pôde levar com ela as duas filhas e o neto, pois a casa onde está não comporta mais pessoas, não tem banheiro nem energia elétrica. “Se você desestrutura a família, tira essas crianças de casa e, muitas vezes, da escola, a tendência é que elas fiquem mais expostas ao convite das drogas e de toda sorte de abusos. Elas perderam o que tinham e não foram realocadas”, explica a coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente de Fortaleza (Cedeca), Talita Maciel.

Após derrubar quase todo o Bairro Servluz, a prefeitura pretende construir uma praça no entorno do Farol do Mucuripe, na área do porto, com 26 mil metros quadrados. “Como pode uma praça ser mais importante que a vida das pessoas? O governo não quer que o turista veja miséria e pobreza.
Quer levar esse problema para longe dos olhos das visitas”, acusa Raquel Lima. Moradores que permaneceram no Servluz já anunciaram a resistência em aceitar a desapropriação de lotes.

A exposição de menores de 18 anos ao problema da falta de moradia preocupa o Cedeca. “Relatos contam que a prefeitura ofereceu R$ 100 como auxílio aluguel e até passagens para pessoas voltarem para terra de origem. E quem não tem para onde voltar? Volta para a rua. O governo quer reconfigurar a cidade, por interesses do mercado imobiliário, mas está negligenciando os direitos das crianças que viviam nesses locais”, explica Talita Maciel. Por sua vez, a Secretaria de Habitação de Fortaleza informa que a interdição dos bairros tem relação com obras de urbanização e revitalização da área portuária, construção de praças e de quase 1,5 mil unidades habitacionais e garantiu que as novas casas serão regularizadas e com equipamentos públicos.

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